Pensar é preciso!
'Está em curso uma tentativa de impeachment contra Dilma', afirma Flávio Koutzii
Afastado do front político, o
ex-deputado estadual Flávio Koutzii (PT) expressa preocupação ao avaliar o
cenário nacional em torno da presidente Dilma Rousseff (PT). "Está em
curso uma tentativa clara de impeachment." Segundo Koutzii, as
manifestações de parlamentares e militantes de direita logo após a reeleição de
Dilma, a eleição do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência
da Câmara dos Deputados e os noticiários sobre as denúncias de corrupção na
Petrobras são evidências do processo em curso "de criar um ambiente de
desestabilização para viabilizar a hipótese de um golpe". O petista também
é crítico ao governo e ao seu partido - avalia a comunicação do Planalto como
"um desastre" e defende a expulsão de membros do PT envolvidos em
escândalos de corrupção.
Nesta entrevista ao Jornal do
Comércio, Koutzii analisa os primeiros passos do governador José Ivo
Sartori (PMDB) no Palácio Piratini - classificando o início da atual gestão
como "extremamente morno". Além disso, embora diga que entende as
dificuldades do Executivo estadual, o petista é incisivo ao comentar uma
declaração de Sartori, na qual expressava que "não sabia que a crise
financeira do Estado era tão grave". "Ninguém se candidatou sem tomar
conhecimento da situação financeira do Estado, seja o (Germano) Rigotto (PMDB),
seja a Yeda (Crusius, PSDB), seja o Tarso (Genro, PT)."
Jornal do Comércio - Uma das críticas
que a própria esquerda faz ao governo da presidente Dilma é a ampla base
aliada, que inclui partidos de direita. Até que ponto isso garante a
governabilidade e até que ponto inviabiliza as políticas públicas petistas?
Flávio - Para garantir a
implementação de algumas mudanças, a estratégia - seja no governo Lula (PT),
seja no governo Dilma - foi construir uma frente ampla, heterogênea,
razoavelmente não confiável e que, estando no governo, não valoriza os melhores
feitos da gestão. Para algumas pessoas dentro do partido - militantes ou
simpatizantes -, algumas dessas políticas não eram aceitáveis, o que deve ser
compreendido e respeitado. Ao mesmo tempo, outros companheiros - com um pouco
mais de experiência - acharam que essas concessões valiam a pena se
viabilizassem algumas mudanças neste País. E, de fato, isso aconteceu. Por
exemplo, 40 milhões de pessoas tiveram acesso ao Bolsa Família; o Luz para
Todos chegou a 4 milhões de brasileiros.
JC - Como a eleição do deputado federal
Eduardo Cunha à presidência da Câmara pode dificultar o governo Dilma?
Koutzii - Esse Eduardo Cunha
é um político que deixa escorpião envergonhado. Com a eleição dele, o cenário
ganhou ares dramáticos, porque é como se um cerco tivesse sido fechado ao redor
do governo. É o momento mais difícil que uma gestão petista em nível federal
passou até aqui. De fato, a ponte que leva as políticas implementadas pelo
Palácio do Planalto até a sua desigual e instável base governamental está
bastante fragilizada. E já era assim antes, embora, no final do governo Lula,
as coisas estivessem mais amarradas, porque a base enxergava a autoridade
conquistada pelo presidente. Agora, a autoridade desse governo não é evidente e
os aliados ficam sacaneando por fora, mas continuam encostados no palanque.
JC - Diante das notícias de corrupção
na Petrobras, do desgaste que o PT tem sofrido, as manifestações pedindo o
impeachment da presidente, o que o senhor acredita que o governo deve fazer?
Koutzii - Do meu ponto de
vista, parece que está em curso - e a vitória do Eduardo Cunha é expressão
disso - uma tentativa clara de impeachment. E é tão clara que, depois das
eleições, (os opositores) conseguiram disfarçar por apenas dois dias suas
intenções. Depois, começaram a falar claramente em impeachment, não como uma
palavra de ordem a bradar em frente ao Congresso, mas como um horizonte que
todos eles começam a apontar como provável e possível. É uma hipótese que se
nutre, em primeiro lugar, das denúncias de corrupção da Petrobras; e, segundo,
pela inconformidade absoluta da direita com a derrota. Essa inconformidade foi
entrando cada vez mais em combustão com a questão da Petrobras. E, nisso, a
mídia tem tido um papel crucial.
JC - Como se processa essa movimentação
que tem o impeachment como horizonte?
Koutzii - Mais ou menos, é
fácil prever que o cenário vai ser uma novidade da Petrobras por semana. Vão
manipular isso lentamente, fazer o governo sangrar. Acho que é uma ameaça de
golpe que, nos seus desdobramentos, poderá ir ao Congresso Nacional ou ao
Supremo Tribunal Federal em forma de impeachment. Na Argentina, estão chamando
esse movimento de "golpe brando". O que está acontecendo em torno da
Dilma é extremamente parecido com o caso da presidente da Argentina, Cristina
Kirchner - com a diferença de que, lá, o processo ganhou ares rocambolescos por
conta da morte do promotor (Alberto Nisman). São impressionantes as
similitudes, no sentido de criar um ambiente de desestabilização para
viabilizar a hipótese de um golpe. Além disso, o impeachment do ex-presidente
do Paraguai (Fernando Lugo, cujo mandato foi cassado em 2012) é o modelo (para
os supostos golpistas).
JC - Na sua opinião, o que o governo da
presidente Dilma pode fazer a respeito disso?
Koutzii - As forças
progressistas têm que construir uma perspectiva imediata de enfrentamento desse
tsunami da direita, que está crescendo com grande velocidade, com ausência
absoluta de limites, com a estratégia de colocar o Judiciário para dentro, em
vez de mandar as tropas para as ruas. Só que hoje é o Judiciário, mas amanhã
poderá ser também o Parlamento. Na Argentina, o que a Cristina tem feito? Ela
dá uma resposta imediata, usa os meios de comunicação, toma medidas concretas.
Por exemplo, quando aconteceu o acidente no metrô de Buenos Aires em 2012,
imediatamente a imprensa começou a usar isso para desgastar o governo.
Rapidamente, ela fez um comunicado nos meios de comunicação sobre o assunto e,
mais do que isso, em questão de meses, foram entregues 20 vagões zero
quilômetro e vão começar a ser construídas duas novas linhas na cidade. De
qualquer forma, no governo da presidente Dilma, acho que muitas coisas vão ter
que ser mudadas para começar a ter uma reação (à tentativa de impeachment). A
reação é a primeira questão, sem a qual não haverá outras questões. É preciso
constituir formas de comunicação com a nação. Porque a área de comunicação do
governo é um desastre. E, sem comunicação, não consegue politizar as questões.
JC - Nesse processo, o PT também tem
saído bastante desgastado. O ex-governador Olívio Dutra (PT) defendeu a
expulsão do ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto (PT). O senhor concorda?
Koutzii - Concordo. Acho que,
justamente por não ter tomado medidas como esta, a hemorragia continua cada vez
maior. Essa medida - a expulsão - teria um mérito. É preciso dar exemplos. Não
fazer nada é uma maneira de o partido dizer para a sociedade brasileira
"não é por causa de uma campanha, de denúncias que vamos tirar, expulsar
certas pessoas". Acho que esse raciocínio está errado. As necessidades
para recuperar o PT são muito mais complexas. Precisamos recuperar um diálogo
com a sociedade, algo que exercite o nosso espírito autocrítico. Claro que o PT
não é mais o mesmo, não conseguiu segurar todas as suas bandeiras. Mas não tinha
como andar com todas elas. Não porque elas não tivessem valor, mas por causa de
quem eram os inimigos. Estávamos disputando uma eleição, não fazendo a
revolução. A bandeira da dívida externa, por exemplo, foi abandonada quando o
Lula disputou a eleição à presidência da República em 2002. Mas as bandeiras
que ficaram tiveram um resultado prático, que não é conversa. O Bolsa Família
teve sua metodologia questionada pela oposição, mas não o mérito do programa. E
o resultado está aí.
JC - Passando para a situação política
no Rio Grande do Sul, Sartori se elegeu falando em unir o Rio Grande do Sul. No
passado, o senhor disse que esse tipo de discurso - de união - servia
para evitar o debate entre diferentes projetos de governo. Como o senhor avalia
a eleição do Sartori?
Koutzii - Esse discurso serve
para neutralizar qualquer tipo de debate. E, nessa campanha, se acentuou mais
esse aspecto. O candidato do PMDB levou até as últimas consequências a ideia de
que não se deve falar em política numa eleição. E o Sartori - com todo o
respeito que tenho por ele, fomos colegas na Assembleia Legislativa -, ele se
encaixou bem no papel que tinha que desempenhar: realmente é um cara simpático,
aberto, bonachão, bem-humorado, ou seja, não teve que atuar para aparecer
daquele jeito na campanha. Esse processo não deixa de ser uma repetição da
eleição do ex-governador Germano Rigotto (em 2002), quando se atribuiu ao PT a
culpa pela polarização da política, justamente pela maneira progressista que o
partido lidava com algumas questões sociais, enfrentando inclusive o
establishment para implementar alguns projetos. De qualquer forma, a vitória do
Sartori é legítima, nem se discute isso.
JC - Como o senhor avalia os primeiros
dois meses do governo Sartori?
Koutzii - Acaba de vencer legitimamente,
uma frente que deve ter seus projetos, mas que não estão bem claros. Ainda é
cedo para fazer comentários. A única coisa que dá para dizer agora é que o
começo desse governo está extremamente morno. Quer dizer, não estamos
discutindo a ideia A ou a ideia B, mas a largada do governo. Quando assumimos a
administração do Estado com o (ex-governador) Tarso, tivemos não só uma postura
diante das dificuldades, como também um resultado prático. O tema da dívida do
Estado com a União é um exemplo.
JC - Sartori tem dito que não sabia que
a crise financeira era tão grave...
Koutzii - Ninguém se
candidatou sem tomar conhecimento da situação financeira do Estado, seja
Rigotto, seja Yeda, seja Tarso. Pode ser que, às vezes, haja um pouco de ilusão
em acreditar que vão conseguir solucionar o problema. No caso do Sartori, não
posso fingir que não sei dos problemas do Estado. Eles existem. Mas isso não é
desculpa. Diante das dificuldades, o que diferencia os governantes é a
capacidade de encontrar saídas parciais que permitam, pelo menos, avançar um
pouco. No governo Tarso, sabíamos tanto quanto os outros sobre a situação da
dívida. Por isso, entramos no governo com a convicção de que essas questões não
podiam nos paralisar na largada. Então, começamos a tomar algumas medidas, como
consultar o Banco Nacional de Desenvolvimento (Bndes) e o Banco Mundial sobre o
financiamento de R$ 1 bilhão. Como já tínhamos encaminhado os projetos de
acordo com os protocolos exigidos, recebemos parte do valor em alguns meses.
Acabou dando certo, pois nos deu uma pequena brecha para respirar e, ao mesmo
tempo, nutrir um determinado ritmo de financiamentos para as nossas atividades;
e, por outro lado, nos permitiu romper a paralisia causada pela dívida.
JC - Qual a avaliação que o senhor faz
da renegociação da dívida do Estado com a União?
Koutzii - O projeto da renegociação
- no qual Tarso transitou com alguma autoridade, junto com outros governadores
- conseguiu reduzir mais ou menos três pontos percentuais da dívida. Essa é a
ideia geral da renegociação. De um lado, isso beneficia todos os governantes,
atual e futuros. Por outro lado, houve uma série de compromissos do governo
federal que ainda não se materializaram, por isso, é preciso que o governo do
Rio Grande do Sul e outros estados continuem insistindo nesse tema, através do
diálogo com o Congresso Nacional, através da imprensa etc. A dificuldade é
muito substantiva, e uma redução de 3% é uma quantia bastante importante. A
dívida, além de ser um flagelo, produz uma paralisia para o futuro governante,
seja ele qual for. Cada governador tratou desse assunto de uma maneira
diferente. Foi no governo de Antonio Britto (PMDB, 1995-1998) que se acentuou o
comprometimento com a dívida; ele atenuou a falta de recursos vendendo
patrimônio; e a soma obtida pela venda desse patrimônio - CRT, CEEE etc -
garantiu o valor equivalente a um ano de orçamento.
Perfil
Flavio Koutzii, 71 anos, é natural de Porto Alegre. Cursou Filosofia na Ufrgs, onde
presidiu o Centro Acadêmico e também estudou Economia. Deixou a graduação em
1970 por causa da ditadura militar. Fixou-se na Argentina em 1972 e participou
de uma organização política até ser detido. Ficou encarcerado de 1975 a 1979.
Seguiu para a França e viveu em Paris por cinco anos, período em que concluiu o
curso de Sociologia na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. De volta ao
Brasil, em 1984, filiou-se ao PT. Em 1986, concorreu a senador, mas sua
primeira vitória nas urnas se deu em 1988, eleito vereador de Porto Alegre. Em
1990, obteve vaga na Assembleia Legislativa, sendo reeleito deputado estadual
em 1994, 1998 e 2002. De 1999 a 2002, foi chefe da Casa Civil do governo Olívio
Dutra (PT). Em 2006, depois do mensalão, decidiu que não concorreria à
reeleição. Em 2008 e 2009, assessorou o presidente do Tribunal de Justiça. Foi
um dos coordenadores da campanha de Tarso Genro (PT) ao Palácio Piratini em
2010 e atuou na Assessoria Superior do governador em 2011.
Comentários