O ardor da palavra


Num mundo de tantas e tamanhas hipocrisias, sempre é bom prestar atenção naquilo que nos sai da boca. Num mundo em que se erguem tantas cercas entre as pessoas, nunca é demais tomar cuidado com os nossos escritos. Às vezes querendo agradar, machucamos. Noutras expressamos algo e acabamos interpretados de uma forma completamente diferente da original.
Mesmo assim, não aceito me privar do direito de expressar meu pendor pela boniteza das coisas do mundo e das pessoas, quando me apercebo da boniteza que nelas há. Do mesmo modo, não me furto de apontar as feiúras deste mundo, feito de gente.
Querer bem uma pessoa. Confessar-lhe o nosso apreço com todas as forças do nosso espírito fraco, não significa ou não deveria significar querê-la para nós; como, aliás, somos levados a pensar neste mundo onde propriedade e poder costumam ser colocados no lugar mais alto do altar e no qual, nós mesmos, acabamos transformados em coisas para a posse de outrem.
Exatamente por isso, são poucas as relações ditas amorosas que conseguem escapar da lógica do mercado, segundo a qual somos convidados a POSSUIR e não a COMPARTILHAR, o que contribui para aumentar este imenso latifúndio improdutivo de amor que vivemos nos dias correntes.
Sentir-se atraído pelas virtudes de alguém e ter a ousadia de confessar-lhe isso com todas as letras, não significa necessariamente alimentar o desejo de envolver-se com ela num mar de aventuras amorosas e sensuais (embora se deva reconhecer que a carne é fraca!). Significa isto sim, que nem tudo está perdido neste mundo. Que nós viemos a ele para recriá-lo, embelezá-lo, para derrubar as cercas que nos impedem de ser mais gente, mais humanos.
As coisas boas e bonitas nunca foram tão necessárias como agora, nestes tempos contemporaneamente feios, em que somos convidados a nos mecanizarmos, a agirmos com frieza, a nos fecharmos completamente diante da dor e o amor dos outros.
Trago comigo sentimentos e pensamentos bons e ruins, e para o bem ou mal não abro mão de extravasá-los, do meu jeito caladão, é claro. Sou gente e as trocas que faço com as outras pessoas ajudam-me a não esquecer desse imenso nada que somos – um nada que dói, como diria Fernando Pessoa. E a palavra, falada ou condensada, é uma das estradas principais que nos leva e liga às outras e outros. Percorramos esta estrada juntos e por inteiro, então. E que ela seja longa, ardente e bela!

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