Laços do professor Osmar



Trago à luz pública algumas palavras mui íntimas do “sor” Osmar, escritas num tempo indefinido e endereçadas a pessoa incerta e não sabida...


Deu saudades. Pra dizer bem a verdade foi assim: era fim de tarde e eu solito tomava um mate e alcançava outro para ti. Não sei se foi bem assim, o fato é que eu sou continente e não me banham águas vetustas prenhes de sal. Não saem nem chegam barcos em mim. Naus, talvez, com as desventuras continentinas dos navios de Garibaldi encalhados na pampa. Os cerros que me cercam são monstruosos barcos cobertos de limo que vigiam. Mas são tão mansos tão parados e não possuem o destino grandioso do mar, que é português feito do sal das lágrimas das mães noivas irmãs dos marujos de antanho. É o mesmo mar cheiroso que te embala nos dias de tristeza e alegria. Tão diferente da pampa, tão cheio de mistérios.
Por isso e por outros motivos é bom receber tuas cartas. Elas são como os barquinhos de papel que eu em criança enviei para um destino incerto singrando as águas barrentas da chuva. É como se estes barcos de papel voltassem de uma infância que vivi há tanto tempo que nem sei se foi minha. Foram miúdos os dias de alegria de minha meninice. Misturando trabalho e brinquedo, medo de “bixo” e medo de gente. E o passar dos dias e das noites sempre confirmando as gentes ferindo mais que os “bixos”. No entanto, houve sempre na mão das pedras, o afago; na mão dos calos, o carinho; ainda que miudinho. Mas nunca cicatrizou bem a ferida. E não é certo dizer assim, pois pode parecer que eu, sempre bom, estive sempre exposto ao gesto dos maus. Não é assim. Ocorre que a vida é ferida aberta. A saudade, testemunha ocular que confirma.
Os barcos que voltam da infância, entrando por baixo da porta são, a um só tempo, cura e ardência. Claro que já não reconheço sua forma, suas cores, afinal, mudaram tanto. E apesar da mudança carregam a expectativa de um sonho meu. Desbotado, longínquo. Creio, em verdade, que é apenas uma esperança.
Não sei por que caminhos, lembrei de uns versos do poeta irlandês WILLIAM BUTLER YEATS, que divido contigo:

“TIVESSE EU AS ROUPAS BORDADAS DO PARAÍSO
TECIDAS COM LUZ DOURADA E PRATEADA
O AZUL E O ESCURO E OS NEGROS PANOS DA NOITE
E A LUZ E AS METADES-LUZES
EU ESPALHARIA ESSAS ROUPAS SOB OS TEUS PÉS:
MAS, SENDO POBRE, TENHO APENAS OS MEUS SONHOS
EU TENHO ESPALHADO OS MEUS SONHOS SOB OS TEUS PÉS
POR ISSO, PISE SUAVEMENTE; AFINAL,
VOCÊ ESTÁ ANDANDO SOBRE OS MEUS SONHOS”.

Eu, meu bem-querer, sou tão miserável que não lembro nem reconheço os sonhos que tive. Resta-me, apenas, colocar-me a teus pés para que tu pises, sem cuidado, com força, com energia sobre minha carne flácida. E há neste gesto frasal uma ignomínia, por isso, não te encante, desconfie. “Tudo tem, em todo o tempo, o oposto em si.” Tenho vulto tenho rumo tenho odores e sabores de gente, mas sou “bixo”. Um “bixo” mundano que tem sentido a vida na periferia do corpo, nas almofadas da carne, no sobrenome dos ossos. Um sentimentalismo de máquinas de engrenagens de grotescos mecanismos que não se coaduna com ser gente. Mas não quero que tu te ausentes de mim.

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