Ato político
Marco
Weissheimer
A
bancada do PT no Congresso Nacional pretende intensificar nas próximas semanas
a mobilização em defesa da democracia e do mandato da presidenta Dilma
Rousseff, e para denunciar o que considera uma tentativa de golpe em curso que
tem como um de seus líderes o vice-presidente Michel Temer. “Não sei como
votará o Senado, mas se a decisão for pela continuidade do golpe o nosso papel
histórico será continuar a denunciar o golpe e a ilegitimidade de Temer para
governar. Um governo que nasça de um golpe como este jamais terá legitimidade
para governar o país”, afirma o deputado federal Henrique Fontana.
Em entrevista ao Sul21, Fontana aponta outubro
de 2014 como o ponto de partida do atual movimento pela derrubada de Dilma
Rousseff e defende que Temer participa dele desde o início. “Diante da nova
derrota eleitoral e da constatação que não conseguiriam chegar ao poder pelo
voto popular, uma parte da elite brasileira tomou a decisão de buscar esse
objetivo por meio de um golpe, que será apelidado de outros nomes”, diz o
deputado gaúcho, que também critica a omissão do Supremo Tribunal Federal em
relação ao deputado Eduardo Cunha. Essa omissão, sustenta Fontana, está
custando muito caro à democracia brasileira.
Sul21: Qual é a gênese do atual processo que
procura afastar Dilma Rousseff da Presidência da República?
Henrique
Fontana: O golpe em curso no Brasil, que busca derrubar a
presidenta eleita Dilma Rousseff, está sendo gestado desde outubro de 2014,
quando se contaram os votos e o PSDB se surpreendeu mais uma vez com a vontade
expressa pelo povo brasileiro nas urnas. Todo o grupo que hoje apoia o golpe
foi o grupo que apoiou Serra em 2002, quando este perdeu para o Lula, apoiou
Alckmin em 2006, que também perdeu para o Lula, apoiou Serra de novo em 2010,
que sofreu mais uma derrota, desta vez para a Dilma, e apoiou Aécio em 2014, em
uma nova derrota para Dilma. Diante dessa nova derrota e da constatação que não
conseguiriam chegar ao poder pelo voto popular, essa parte da elite brasileira
tomou a decisão de buscar esse objetivo por meio de um golpe, que será
apelidado de outros nomes.
Esse
processo iniciou com um conjunto de alternativas, uma espécie de cardápio, onde
o prato principal seria escolhido de acordo com a evolução da conjuntura.
Vários cenários foram levados em paralelo. Poderia ser a cassação da chapa via
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se o cenário indicasse que eles poderiam
ganhar uma nova eleição com outro candidato. Ou poderia ser outro caminho se o
cenário eleitoral não fosse favorável. Como há uma resistência muito grande na
sociedade brasileira a eleger um governo de corte ultraliberal, como sempre
representaram essas quatros candidaturas derrotadas, os articuladores desse
processo fecham um acordo para buscar um “atalho” para o poder. O acordo é
tornar Temer presidente da República por dois anos e meio e criminalizar a
figura de Lula, inviabilizando sua participação na eleição de 2018.
Esse
movimento golpista se alimentou de dois fatores decisivos: um parlamento hostil
ao nosso governo e absolutamente dominado pelo poder econômico; e, em segundo
lugar, o braço midiático do golpe, que teve uma atuação seletiva na divulgação
das denúncias de corrupção. Para entender a instabilidade política que atingiu
o governo, é preciso ter em mente que a presidenta Dilma nunca cedeu a acordos
que pudessem frear investigações. O caso mais emblemático envolve o presidente
da Câmara, Eduardo Cunha, objeto de várias denúncias de corrupção. Aliás, o
silêncio de Temer sobre Cunha é de uma cumplicidade absurda. É um silêncio de
sócio e cúmplice. Não há uma palavra de Temer na grande mídia brasileira sobre
as denúncias de corrupção que recaem sobre Eduardo Cunha.
Sul21: Seguindo essa tese de que o movimento
golpista iniciou ainda em 2014, na sua opinião, o próprio Temer participa dele
desde lá?
Henrique
Fontana: Na minha opinião, sim. Ele participa desde o
início. O PSDB está no centro do golpe, junto com Temer. Nós montamos um
ministério errado para enfrentar esse ambiente de golpe que se constituiu no
país. Mas, como tenho dito a todos que estão participando dessa mobilização
pela democracia, é preciso aprender com os erros, mas não se deprimir com eles.
Temos muita luta pela frente para denunciar o golpe à população.
Sul21: Após a votação na Câmara dos Deputados,
você acredita que é possível outro nível de debate no Senado, com outro
resultado também?
Henrique
Fontana: Estou entre aqueles que vão trabalhar muito para
frear o golpe no Senado. Tenho convicção da justeza da posição que estou
defendendo e que o PT e outros partidos de esquerda devem defender. O meu
assunto não é se tem mais ou menos chance de frear o golpe no Senado. Essa
pergunta, na minha opinião, é secundária. O que importa é o que deve ser feito
neste momento. E o que deve ser feito neste momento é ampliar e consolidar essa
grande novidade positiva em um momento muito duro da política brasileira, que é
a grande mobilização social que está se formando em defesa da democracia.
Sofrer
um processo como este que está em curso é muito duro para a vida do país,
especialmente para as pessoas mais pobres que já estão vivendo um prejuízo
muito grande em suas vidas por conta da organização do golpe que durou um ano e
meio. E esse prejuízo pode ser muito maior. O núcleo programático do golpe é
colocar em marcha um projeto de mudanças regressivas no Brasil, que vai desde a
alteração da forma de exploração do pré-sal até a diminuição dos ganhos reais
de salário conquistados nos últimos anos e a retomada da votação do projeto das
terceirizações. O papel programático de um eventual governo Temer, em resumo,
será colocar em prática aquilo que foi defendido por Aécio em 2014 e rejeitado
pela maioria da população brasileira.
Nosso
governo cometeu erros na condução da economia, como exonerações excessivas e
entregar a condução da economia nas mãos do Levy, que era um inimigo na
trincheira. Mas o fundamental das dificuldades que a nossa economia vive hoje
se deve ao impacto que a crise do capitalismo global teve sobre o Brasil e à
aposta da oposição no quanto pior melhor. A oposição trabalhou para inflar a crise
econômica, inclusive inviabilizando atos de governo que eram necessários para
reequilibrar o país, como a aprovação de uma CPMF. A receita do golpe, porém,
como aconteceu em outros momentos da história do Brasil, precisava criar um
clima de dificuldade econômica que serviria como parte de justificativa do
golpe.
Sul21: Quais podem ser os desdobramentos para o
país, no futuro próximo, desse movimento para a derrubada da presidenta Dilma?
Henrique
Fontana: Em primeiro lugar, gostaria de destacar que a
ilegitimidade do que foi feito na Câmara dos Deputados salta aos olhos. O
primeiro plano deles era criar um grande caos na economia e gerar um isolamento
completo do PT, por meio de discursos e práticas fascistas nas ruas, com Dilma
e Lula criminalizados e totalmente enfraquecidos. Mas o que se viu no dia da
votação na Câmara dos Deputados foi um país totalmente dividido, em um ambiente
muito diferente daquele do impeachment do Collor, quando o país estava unificado
em defesa do afastamento do mesmo. Esse fato representa o principal alicerce
sobre o qual se fará política nas próximas semanas e meses no Brasil.
Entramos
numa fase de aproximadamente três semanas, onde deveremos intensificar muito o
debate sobre a importância da defesa da democracia, denunciar o golpe e a
ilegitimidade de Temer. Não sei como votará o Senado, mas se a decisão for pela
continuidade do golpe o nosso papel histórico será continuar a denunciar o
golpe e a ilegitimidade de Temer para governar. Um governo que nasça de um
golpe como este jamais terá legitimidade para governar o país. Se a Dilma for
efetivamente afastada, só haverá governo legítimo no Brasil quando ocorrerem
novas eleições. A aliança que essa articulação ilegítima está promovendo é
extremamente venenosa para a democracia brasileira, envolvendo dezenas de
deputados acusados de corrupção e representantes dos setores mais atrasados e
fundamentalistas da sociedade.
Temer
não tem legitimidade alguma para propor qualquer tipo de pacto. Caso o golpe
seja bem sucedido, defenderei dentro do PT que não devemos participar de
nenhuma mesa de negociação com esse governo ilegítimo. O que pode frear a
implementação de uma agenda ultraconservadora no Brasil é a mobilização social
em defesa da democracia.
Sul21: O que pode implicar, em termos sociais, o
fato de um governo sem legitimidade assumir o comando do país? Como essa falta
de legitimidade pode se expressar na vida cotidiana da sociedade brasileira?
Henrique
Fontana: Um governo, em uma democracia, tem como um de
seus desafios procurar construir pactos na sociedade. Quando dizemos que o
país, com um governo sem legitimidade, entrará em um período de
convulsionamento social, os deputados golpistas reclamam que estamos fazendo
ameaças. Não há nenhuma ameaça, mas sim uma constatação. Se Temer derrubar com
um golpe um governo escolhido pelo voto popular, ele não terá legitimidade para
pedir para parte desse povo que participe de uma mesa de negociação para
discutir pactos temporários. Por conta dessa aventura golpista planejada pela
oposição desde 2014, o Brasil poderá perder três anos, com repercussões
negativas ainda mais longas para a economia e para o tecido social brasileiro.
O grau de ódio e de intolerância que vemos na sociedade hoje tem responsáveis,
ele não caiu do céu. E os responsáveis estão na oposição que apostou neste
discurso fascista de ódio e intolerância contra o PT e a esquerda de um modo em
geral.
Sul21: Como você vê o comportamento do Supremo
Tribunal Federal em relação às denúncias envolvendo o deputado Eduardo Cunha?
Henrique
Fontana: Tenho respeito pelo Supremo Tribunal Federal do
meu país, embora ele tenha ministros que não têm nenhuma condição de estar lá
por serem totalmente partidarizados, como é o caso de Gilmar Mendes, que
deveria ser deputado ou senador. O STF tem uma grande dívida com a democracia
brasileira por ter permitido que Eduardo Cunha fizesse tudo o que fez com o
pedido de impeachment na mão. Neste caso, os ministros tiveram uma postura de
muita omissão. Com o conjunto de evidências disponível apontando o abuso de
poder praticado por Eduardo Cunha como presidente da Câmara, o STF poderia ter
agido. Essa omissão do Supremo está custando muito caro à democracia
brasileira. Havia motivos, razões e, inclusive, um pedido do Procurador Geral
da República contra Eduardo Cunha. No entanto, contra ele, o Supremo não
conseguiu sequer colocar em julgamento o afastamento do deputado.
Publicado
originalmente no Sul21: http://www.sul21.com.br/jornal/omissao-do-stf-esta-custando-muito-caro-a-democracia-brasileira/
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