Ato político
Como diria o gigante Olívio Dutra, "sob a alta temperatura o vidro se quebra e o aço se tempera".
Pois em meio ao calor dos clamores das ruas (alguns moldados e temperados ao gosto da velha política, mesmo que tentassem negar ou esconder qualquer coloração política), o Governador Tarso Genro longe de quebrar ou vergar a espinha, despontou com voz segura e apontou um rumo certo para o Brasil seguir avançando na economia, na garantia dos direitos sociais e na transformação estrutural do Sistema Político, hoje cansado, caduco e distante da vida real da imensa maioria da população, de norte a sul do nosso continental país.
Nova agenda para um novo ciclo
Por Tarso Genro (*)
Imposto sobre as grandes fortunas,
10% do PIB para a educação, nova regulação para concessões na área de
comunicações visando a democratização da circulação da opinião; uma CPMF com
fundos vinculados especialmente para a saúde e transporte coletivo, com controle
social; um “sistema” de participação popular – virtual, presencial com
revalorização dos conselhos e conferências nacionais – para produzir e vigiar o
orçamento público, combinado com a representação política permanente e estável.
(Novas políticas de Estado.)
Um plano de obras públicas
especialmente voltado para ferrovias e VLTs urbanos para os próximos vinte
anos; um programa de estímulo e pesquisa para inovação tecnológica
especialmente voltado para economia criativa e para redes de médias e pequenas
empresas de todas as áreas, para atrair investimentos externos e empregos de qualidade;
um programa novo de reforma agrária, tendo com ponto de partida não só o acesso
à terra, mas também a promoção da agricultura camponesa para produzir e
circular alimentos de qualidade, “limpos” de agrotóxicos; novo ciclo de
fortalecimento dos bancos públicos e duplicação das redes de microcrédito,
urbano e rural. Compromisso com a Reforma Política. (Novas políticas
específicas de governo).
O Partido dos Trabalhadores e os
partidos ou setores de partidos da esquerda -ou que se avocam progressistas –
defrontam-se hoje com o esgotamento de um ciclo político iniciado com
Constituição de 88 e, na área das políticas de inclusão social e educacional,
com os governos Lula e Dilma. A reestruturação da sociedade de classes, que
ocorreu no país neste período, propõe novos desafios ao neo-desenvolvimentismo,
para que os atuais avanços não se percam e para que não voltemos à sociedade
dos “três terços”, que caracterizou a política dos governos de ajuste da
academia “moderna” com o conservadorismo neoliberal.
Mas o ciclo lulo-desenvolvimentista
atingiu o seu limite. Não porque não deu certo. Mas porque se realizou
plenamente. E para passarmos para uma nova etapa é necessário mudar a agenda
política e econômica do país: à segurança da estabilidade financeira, na relação
com as finanças globais (já conquistada), deve suceder a estabilidade das
instituições democráticas republicanas (em crise), que só podem ser
re-legitimadas pela combinação da representação política, com a participação
direta da cidadania em diversas instâncias de poder.
Não se trata de promover o
assembleísmo espontâneo, como método de gestão técnica e política do Estado.
Trata-se de criar instituições regulares de participação direta – presenciais e
virtuais – para dar um sentido novo ao republicanismo originário dos mais de
duzentos anos de revoluções democráticas no ocidente. Porque me refiro à
substituição da “segurança financeira” pela “segurança política”? Ora, os
setores conservadores e as classes privilegiadas do país, ligadas ao “rentismo”
ou que tiram proveito -direto ou indireto – das suas especulações e
exorbitâncias, já perceberam que este primeiro ciclo de mudanças progressivas
no país está esgotado.
Estes setores passaram – a partir
desta constatação – a apostar claramente no desgaste político da Presidenta
Dilma e sua estratégia está clara na “previsão” de um novo surto inflacionário
para, rapidamente, aumentar a taxa de juros, visando “ajudar” os bancos
atolados na dívida europeia a promover a transferência parcial dos custos
daquela crise. A “socialização” dos custos da crise europeia é a grande
política, neste momento, desenvolvida pelos grandes grupos financeiros globais
acalentado pela “grande mídia. Ela, como seu viu durante as mobilizações deste
julho, demanda um novo ciclo de “reformas”, cujo exemplo mais significativo é a
substituição, na Europa, da política pelas decisões tecnocráticas do Banco
Central Europeu.
É óbvio que por dentro deste processo
está igualmente o objetivo de “viciar”, ainda mais, a economia financeira do
nosso país na ortodoxia das agências de risco e de especulação. E este processo
não tem fim: continuará endividando União, Estados e Municípios, até chegarmos
à mesma situação dos países europeus, já ajoelhados perante as decisões do
Banco Central Europeu. Como é sabido até pelo Conselheiro Acácio é ele quem ,
de fato, governa a Europa nos dias de hoje, transformando os partidos e as
instituições democráticas de Estado em organismos irrelevantes.
É preferível, a partir desta análise,
uma taxa de investimentos que proporcione um crescimento persistente de 3,5% ao
ano, do que os solavancos atuais, que geram dúvidas em todo o setor privado –
grande, pequeno e médio – que nos viciam nos riscos rentistas e nos colocam nas
mãos das profecias autorrealizáveis.
É hora de romper com a morfina do
sistema financeiro global e mudar a agenda econômico-financeira do país,
mudando a sua agenda política. O primeiro movimento é partir para a formulação
de um programa que estruture um novo Bloco político-partidário (de partidos, frações
de partidos, instituições da sociedade civil, movimentos sociais, organizações
sindicais e populares) para iniciar – por exemplo – uma ampla Consulta Popular,
com a ajuda dos governos de esquerda do país, sobre a Reforma Política e os 10%
do PIB para a educação: à inércia e ao fisiologismo da maioria do Congresso,
responder com uma mobilização de “baixo para cima”, dentro da ordem
constitucional atual.
Refiro-me especialmente a estes
pontos porque eles contém os dois elementos mais importantes para mudar a
agenda do país, pois enfrentam diretamente o poder econômico (sobre os
partidos: financiamento público ou proibição de financiamento por pessoas
jurídicas), e a força do capital financeiro sobre o Estado (reserva de recursos
para a educação reduzindo as reservas do pagamento dos juros e serviços da
dívida).
A chamada “agenda das ruas”, que está
em debate atualmente, não pode ser romantizada. De uma parte, vimos jovens de
setores médios e setores populares lutando por melhor transporte, saúde,
educação, melhores condições de vida nas regiões metropolitanas e melhores
serviços públicos, estes aliás, às vezes submetidos aos interesses imediatos
das corporações. Mas não devemos nos esquecer que também estavam lá setores
médios conservadores, altas classes médias (“contra a política”), diretamente
motivados pela mídia de direita (“o gigante acordou”), pedindo também uma
mudança de agenda, mas contra o Bolsa Família, contra os pobres terem
automóveis, contra os “aeroportos lotados”, contra a democracia, contra “os
impostos”, como se um país pudesse arrecadar menos e depois investir mais.
Independentemente de que a nossa
candidata (no meu caso) possa acolher, hoje, integralmente, aqueles ideias para
sua reeleição, e assim responder a este novo ciclo no seu segundo governo, é
necessário que o novo programa seja apresentado e formatado publicamente,
através de consultas, debates, de conversações inter e extraparditárias, de
diálogos entre a academia e o movimento social e sindical.
Trazer as novas gerações de militantes
sem partido para participar da elaboração do programa para o novo período é uma
tarefa crucial da esquerda que ainda não morreu. Se isso não ocorrer, a
falsificação de que o “gigante acordou” (agora!), pode vingar, com uma
restauração do projeto conservador neoliberal, de privatização do Estado e
subordinação ao rentismo. Alguém vai conseguir governar o país com o retrocesso
das conquistas dos governos Lula e Dilma? Duvido. A renovação da agenda
política e econômica do país é, também, a defesa da República e da Democracia para o futuro.
(*) Governador do
Rio Grande do Sul
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