Ato político


Saudades do tempo que a lucidez era o caminho, a verdade e a vida.

Nesses tempos sombrios e de elogio à falta de razão que vivemos, o pensamento de Juremir Machado da Silva soa como fora de moda para uns ou como "olho em terra de cego" para outros (entre os quais me incluo).



Utopia conservadora


A modernidade é um perigo. Em nome dela, prega-se o retorno ao passado como garantia de acesso ao futuro. A tecnologia é apresentada como justificativa para o salto em direção ao século XIX: a uberização. Há no Brasil um projeto em curso dividido em quatro etapas: asfixiar os sindicatos; desmontar a legislação trabalhista; extinguir a aposentadoria pública universal por repartição; acabar com a justiça do trabalho. Michel Temer realizou “brilhantemente” as duas primeiras etapas dessa nova utopia empresarial. A contribuição obrigatória para os sindicatos alimentava algumas máquinas deletérias. Ruim com eles, pior sem eles. Não foi por virtude que o governo Temer tirou o dinheiro dos sindicatos. Foi para matá-los à míngua e diminuir o poder de pressão que ainda exerciam.

A desmontagem da legislação trabalhista, sob alegação de que era ultrapassada, fascista e produzida no Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas, apesar das incontáveis revisões sofridas ao longo dos anos, ainda não se completou. O presidente Jair Bolsonaro declarou que o ideal é se aproximar o máximo da informalidade nas relações de trabalho. O capital detesta riscos e obstáculos à sua reprodução viral. Os próximos passos serão a ampliação da precarização e a extinção da justiça do trabalho para que ela não atrapalhe mais com a sua mania de dar ganho de causa a quem possa ter razão, que, muitas vezes, costuma ser o trabalhador. Por fim, com a implantação de um regime de aposentadoria por capitalização, empregadores e Estado livram-se de contribuir de maneira universal para o bem-estar da população na velhice. É o cenário ideal: cada um por si.

Quantos países praticam esse modelo completo? Um dos argumentos usados salienta que o Brasil adotará um modelo misto: repartição para a maioria, que ganha salário mínimo, e capitalização para a classe média, os “ricos”, que ganha acima de dois salários mínimos. Como dizia o outro, fala sério, cara! A velhice será vendida aos bancos. Cada um terá direito a correr os riscos que o capital não suporta. Que exemplo mundial de aposentadoria por capitalização bem-sucedida o empolado Paulo Guedes tem para oferecer? O do Chile? O pessoal que defende essas ideias, por interesse e com o deles, em geral, garantido, acha-se sofisticado e moderno, vendo quem pensa o contrário como ultrapassado e ideológico.

A ideologia da modernidade extinguiu o espelho. Um ex-banqueiro (uma vez banqueiro, sempre banqueiro) como Paulo Guedes defender aposentadoria por capitalização para os bancários, que somos todos nós, é humor de má qualidade. Paulo Guedes jura que entende tudo de economia. Gente como Thomas Piketty e Paul Krugman acha que todas as ideias centrais dele estão equivocadas. Economia é ciência social. Ninguém é dono da verdade. Teorias e hipóteses duelam. Guedes parece crer que a sua economia é ciência exata. Uma coisa é líquida e certa: a reforma que ele propõe é boa para quem ganha com o dinheiro dos outros. Num mundo em que 26 pessoas, segundo a Oxfam, possuem o mesmo que metade da população global, Guedes é moderno.



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