Ato político


Perder ou ganhar faz parte do jogo. O problema nessa eleição é que valores democráticos e civilizatórios, independentemente do resultado das urnas, já foram perdidos em parte ou ameaçam ser perdidos completamente.

O politicamente correto, o padrão ético que coloca freio no pior de cada um e estabelece regras para um convívio minimamente harmônico em sociedade, nunca funcionaram perfeitamente. Aqui e em qualquer lugar do mundo sempre existem as transgressões. Contudo é exatamente disso que se trata, nenhuma lei ou regra de alcance coletivo tem a pretensão ou poder de tornar ninguém perfeito. O fato é que se essas regras erguidas com base em valores civilizatórios deixam de existir ou são banalizadas, o que se instaura é a barbárie, na qual cada um se considera a própria lei. 

Assim passa a valer a lei do mais forte. Assim passa a valer o cada um por si e o salve-se quem puder. Assim a justiça feita com as próprias mãos passa a ser o padrão de justiça e varia de acordo com o juízo e o poder de influência de cada indíviduo. A humanidade, aliás, em outros tempos e ainda agora em outras partes do mundo pouco civilizado conheceu ou conhece essa realidade, cujo resultado é trágico e em nada contribui para despertar a melhor versão do ser humano. Ao contrário, nesse caso a tendência é o "homem virar lobo do homem".

Eu particularmente, acreditava que esse tempo havia ficado para trás e, enquanto projeto político de país, não atrairia muitos adeptos. Eis que as vozes e práticas de um passado animalesco serviram-se do jogo democrático (apesar das trapaças e ameaças)  para passar a dar o tom, as cartas e colocar em xeque as próprias instituições e liberdades democráticas.

É da vida, mas não danço essa música que lembra o som e os gritos de guerra das velhas tribos que habitavam as cavernas.



A responsabilidade de cada um 


Por Juremir Machado da Silva


E agora?

O Brasil teve treze possibilidades no primeiro turno. Excetuadas as candidaturas folclóricas do Cabo Daciolo e de José Maria Eymael e a clausura ideológica de Vera Lúcia, nove eram menos problemáticas e assustadoras do que a aposta em Jair Bolsonaro. Se a questão era o combate à corrupção, por que não se votou em Álvaro Dias, o mais entusiasmado defensor da Lava Jato? Se o interesse era um choque liberal em economia e conservador em comportamento, com ênfase em alguém fora ou contra o sistema, por que não se escolheu João Amôedo? Se o foco era em reformas liberais profundas e ao gosto do mercado, por que não se foi de Henrique Meirelles? Se o importante era honestidade e ausência de radicalismos, por que Marina Silva não decolou?

Se o antipetismo era o fundamental, por que não Ciro Gomes?

Geraldo Alckmin não teria sido uma opção menos nebulosa e dentro dos limites formais da democracia? Cada um com seus limites e defeitos. Cada um contribuiu um pouco para o resultado alcançado. Os tucanos trabalharam fortemente durante anos para estimular o antipetismo. O PT colaborou com os seus erros jamais realmente admitidos e com sua incapacidade de perceber o beco em que estava metido. Não quis uma frente de esquerda. Preferiu ser hegemonista até na derrota. Faltou a Ciro Gomes, apesar de ter razões para ressentimentos, grandeza na reta final. O pedetista saiu enorme do primeiro turno e minúsculo do segundo. Todos aqueles que consideram Jair Bolsonaro ameaça à democracia deveriam ter tomado providências para vencê-lo mesmo que isso representasse perder fatias do poder. Ou era só retórica de campanha? Ou não se importavam com o futuro?

Muito se falou em fim das ideologias e em anseio de equilíbrio. Foi a eleição dos radicalismos, da polarização ideológica, do aparelhamento de setores da justiça eleitoral, com quebra da sagrada autonomia das universidades para retirar faixas que nem nomeavam candidatos, das fake news e do ódio. Talvez nunca se tenha eleito antes no Brasil um candidato com tamanho histórico de declarações preconceituosas e antidemocráticas. Se foi a eleição do contra, contra o petismo, foi também o pleito do a favor, do a favor de ideias extremas e posturas sem nuances. O bolsonarismo, como qualquer um sabe, não se pauta pelo comedimento nas provocações e ideais.

A mídia ajudou com sua sanha simplificadora pretensamente ética. A justiça deu o seu quinhão com seletividade e diferentes ritmos processuais. A imprensa internacional foi ignorada nas suas advertências ou desqualificada como esquerdista. Voltamos à Guerra Fria: capitalismo versus comunismo. O primeiro ciclo trabalhista, de Getúlio Vargas, terminou com a eleição de um militar. O segundo, fracassado o intervalo de Jânio Quadros, com um golpe midiático-civil-militar. Este terceiro, o ciclo trabalhista do lulismo, fecha-se com a eleição de dois militares aposentados. O que vem por aí? O Brasil deu um salto no escuro como se fosse a uma festa.

A economia não foi o ponto central desta eleição. Comportamento e ideologia predominaram. Antipetismo e anticorrupção encobriram algo mais profundo: uma rejeição ao imaginário forjado a partir de maio de 1968 no Ocidente. Estamos mais divididos do que nunca. Nunca estivemos unidos. Não será Bolsonaro o nosso elo.

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