Ato político


Sim, o anti-petismo existe e ganhou muita força, não apenas pelos erros e desvios ideológicos cometidos por altas figuras do PT, mas em grande parte por erros e desvios atribuídos ao PT que não encontram nenhum respaldo na realidade.

Contudo, o anti-petismo sozinho não explica essa onda de insanidade que tomou conta do país. Ou seja, o alvo vai além do Lula e do PT. O alvo é a República e o estado de bem-estar social, inspirado na social democracia européia, instituído no país com a Constituição de 1988 e que com os governos petistas começou a sair de fato do papel.

Então, não tem essa de que o PT representaria uma ameaça comunista. Só fanáticos ou mentes com intenções friamente calculadas para propagar uma besteira dessas. Também não existe isso que o problema seria a corrupção, pois tanto no judiciário quanto em boa parte da sociedade civil fica a cada dia mais claro que o combate à corrupção é seletivo e que, quando se trata de corrupção, apenas petistas devem ir parar atrás das grades ou ter suas reputações expostas na janela para todos (até os maiores ladrões do país) passarem a mão nela.

O que está em jogo é um combate sem tréguas e sem quartel contra o Estado ou contra os valores civilizatórios e inclusivos que o Estado Democrático deveria representar e cumprir. É o mundo ou o país dos sonhos das mentes mais retrógradas e mesquinhas sendo realizado. O estranho é o clamor popular criado em torno desse projeto macabro e devastador, como se fora uma espécie de penitência. Como se as massas que mais precisam das políticas públicas e do papel moderador de conflitos que deve ser exercido pelo Estado tivesse chegado a conclusão que ela é a causa de todo o mal e deve ser cortada na própria carne. Como se, euforicamente, pedissem para ser escravizados ou devororados pelas feras, contra as quais nada irão reclamar ou sequer cobrar, desde que escapem "da monstruosidade petista" que os assombra como o bicho papão outrora assombrava as crianças. 

Talvez, seja um caso para a psicanálise. Uma psicanálise coletiva.

Entendo que é nessa linha que caminha o escrito de Juremir Machado da Silva que ora compartilho.



No tempo das maiorias ruidosas



Um dos mais importantes livros do filósofo francês Jean Baudrillard, talvez o mais brilhante da sua época, tem como título “À sombra das maiorias silenciosas”. Foi publicado em 1978. Baudrillard morreu em 2007. Ele falava da indiferença das massas: “Não são boas condutoras do político, nem boas condutoras do social, nem boas condutoras do sentido em geral. Tudo as atravessa, tudo as magnetiza, mas nelas se dilui sem deixar traços”. Para ele, pensador independente, as massas flutuavam “em algum ponto entre a passividade e a espontaneidade selvagem, mas sempre como uma energia potencial, como um estoque de social e de energia social”.
Todos queriam domesticar as massas. Elas se mantinham incontroláveis. Baudrillard ironizava os que previam uma aceleração: “Hoje referente mudo, amanhã protagonista da história, quando elas tomarão a palavra e deixarão de ser a maioria silenciosa”. Esse futuro, para bem ou mal, chegou com as redes sociais. As massas já não são indiferentes, neutras ou silenciosas. Elas tomaram a palavra. As elites queriam fornecer conteúdos às massas. Agora, as massas ditam às elites o que estas devem dizer para continuar no poder. Mas as massas perceberam que elas podiam ir diretamente ao poder. Se antes se contentavam em admirar celebridades, passaram, com os reality shows, a ser elas mesmas as celebridades. O passo seguinte seria a política como expressão frontal.
Alguém dirá: confuso isso. Ilusão. Baudrillard dizia apenas que as massas não tinham poder de fala, mas que enganavam seus enganadores absorvendo por um tempo e depois jogando no lixo as suas recomendações, elegendo por anos a fio seus manipulares e depois, de repente, descartando-os sem dó nem piedade. Era a vingança da plebe. A tecnologia deu as massas o que elas nem esperavam: o poder de emissão. O que elas dizem? O que bem entendem, quando bem entendem, frontalmente. As maiorias ruidosas odeiam a moderação e o “mimimi”.
Jean Baudrillard fazia frases enigmáticas do ponto de vista da mídia, mas que conseguiam descobrir verdades profundas escondidas nas superfícies: “O social existe para cuidar de absorver o excedente de riqueza que, redistribuído sem outra forma de processo, arruinaria a ordem social, criaria uma situação intolerável de utopia”. As massas ruidosas das redes sociais contrariam o filósofo. Elas temem o social e querem exterminá-lo a golpes de fake news para que o excedente possa continuar concentrado. O que elas ganham com isso? Satisfação ideológica. Elas alegam que pagam impostos em demasia. Se os lucros e dividendos não são taxados já seria outra coisa. As massas ruidosas são diretas: a cada um conforme a sua capacidade de ganhar e acumular.
Se as maiorias silenciosas aceitavam a proteção estatal cinicamente, as maiorias ruidosas das redes sociais recusam publicamente qualquer benefício que possam chamar de privilégio ou de favorecimento aos seus oponentes. Querem abater o Estado. Incrédulas quanto à capacidade redistributiva estatal, declaram a extinção do social como demanda organizada de minorias excluídas e proclamam o triunfo das redes como catalisadoras do ódio represado contra o coletivo. O super-homem de Nietzsche chega a vitória por um atalho. Um longo atalho.

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