Apesar de você a primavera sempre chega




Tenho um velho amigo mais velho que sempre conta as histórias de um caudilho político, um forasteiro ambicioso e despudorado que criou raízes nesta terra. O detalhe é que as histórias de caudilhos são sempre deprimentes, deprimentes como os próprios caudilhos. Uma história marcada por intrigas, boatarias, vilanias, apadrinhamentos, nepotismo, pilantragens, desvios, despotismos, pilhagens, faz de conta, apropriações indébitas, falsidades ideológicas, propagandas enganosas, promoções pessoais permanentes, improbidades administrativas, e por aí se vai a extensa lista de adjetivos também deprimentes...

Voltando ao caudilho em questão, conta esse amigo que ele adorava encher a cara e dar vexames em público, porque achava que isso era ser popular. Que ele também adorava encher a bola de si mesmo, uma bola muy murcha, por isso a sua necessidade obsessiva por rebaixar tudo e todos, só assim ele podia alardear alguma grandeza e justificar sua própria existência. Sua luz definitivamente não brilhava e o jeito era tentar apagar o brilho alheio.

Ele conta também que o tal caudilho não suportava as opiniões contrárias, a imprensa e as ideais só eram livres se fossem a favor dele. Do contrário, deveriam ser proibidas, censuradas, e aqueles que se atrevessem a discordar ou noticiar coisas contrárias a seus propósitos deveriam ser ridicularizados, de modo a esconder os ridículos do caudilho. Como quase não possuía feitos próprios para propagandear, chegou a criar um veículo particular de comunicação com a missão de inventar virtudes que ele não possuía, além de detonar as virtudes dos que não faziam parte da sua trupe. E adivinhem, inaugurou tal veículo explorando a boa-fé do povo e usando o nome da comunidade em vão, para transformar o dito veículo de comunicação em palanque e propriedade familiar.

Segundo esse amigo, a sede de poder do caudilho não tinha fim e sua ambição era tamanha e sem limites. Conforme narra, certa feita o caudilho chegou a levar um desafeto político à força para lugar ermo e de arma em punho ameaçou dar um tiro em sua boca, caso ele não calasse a boca que bradava publicamente contra os abusos do caudilho. Era um lunático pelo poder, um louco decadente, deprimido e desenfreado, capaz de imitar Nero e atear fogo em tudo a sua volta ou sacudir uma cidade até deixá-la tonta!

No poder era um tirano insaciável, fora dele era um destrambelhado ressentido, um mau perdedor, sempre cavando uma brecha para empanturrar novamente a si e os seus. Dizia esse amigo que com ele no poder era festança garantida para seus seguidores mais próximos e mais fiéis, não apenas em solo local, mas principalmente nas idas constantes à cidade grande. Não faltava caravanas, comilanças, beberagens, algazarras, orgias, tudo pago com o dinheiro e a boa-fé do povão!

Fora do poder agia como se ainda estivesse com as rédeas na mão: plantava a discórdia, semeava intrigas, incendiava ânimos, relembrava feitos que nunca fez, usava o nome dos humildes em favor dos seus intentos particulares e da vontade incontrolável de manter viva sua história de horrores e desmandos que a maioria queria esquecer.

Sem o menor pudor, negociava a indicação de parentes para postos conquistados coletivamente pelo grupo político majoritariamente sério e honrado de que fazia parte – de parentes sabidamente incompetentes e, assim como ele, picados pela mosca da empáfia, da falsidade e da intriga. Sem o menor pudor, se deslocava de sua cidade até as esferas mais altas de poder, servir-se de velhas relações de compadresco, para pedir indevidamente em nome de seus companheiros a indicação de filhos, genros e demais familiares para cargos existentes em repartições desses governos na terra que vivia. Uma piada que o fazia sentir orgulho do quão influente e pródigo com sua prole ele era!

Nos palanques e espaços públicos clamava por justiça, liberdade, igualdade, fraternidade, democracia. Mas no seu íntimo agia em favor de si mesmo, dos seus e de tantos que aceitassem usar sua canga sem reclamar e que, além disso, estivessem dispostos a aplaudi-lo permanentemente, mesmo sem razões concretas para tal. Nos bastidores da política tramava o ódio, a maledicência, a desmoralização dos opositores, tratados como opositores eternos e indesejáveis. Disseminava o culto a si mesmo e insuflava a mobilização de esforços, muitas vezes generosos e incautos, na reconquista do poder pelo poder. ´






Narra meu amigo, finalmente, que o caudilho morreu e que antes de morrer ainda foi condenado por uma pequena parte de seus atos tresloucados na vida pública. Morreu, mas não aceitou a própria morte. Morreu mas continuou vivo na forma de fantasma, um fantasma nada camarada, cuja única tarefa e utilidade seria agir nas sombras para impedir que as relações políticas e humanas fossem renovadas e a primavera chegasse à terra arrasada que deixou.

Esse meu amigo e suas histórias de caudilhos... Será verdade ou tudo não passa de mera imaginação? Quem viveu viu, quem vive vê. O certo é que apesar dos caudilhos a primavera sempre chega. O certo é que os caudilhos sempre perdem lugar para o correr da vida e o perfume das flores, ainda que resistam muito.

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