Osmar e o Herval



Segundo o pensamento “Osmarhenciano”, quase duzentos anos depois da sua fundação, Herval continua demasiada e umbilicalmente ligado em suas origens históricas. Ou seja, os fazeres e o horizonte das gentes desta terra, ainda guardariam marcas muito fortes da monarquia fundante deste pedaço de chão encravado no Pampa Gaúcho.
Meus escritos, por óbvio, não tem a pretensão nem a possibilidade de promover um resgate da formação histórica do município de Herval. Além de espaço me faltam conhecimentos. O fato, e falando muito sucintamente, é que Herval nasceu e foi sendo criado como um dos mais legítimos “amigos do rei”. Isto é, este torrão gaúcho nasceu de um acampamento militar cuja principal missão era povoar este território como forma de mantê-lo sob o domínio da então toda poderosa Coroa Portuguesa.
Desta forma, Rafael Pinto Bandeira, que era homem mui amigo e da confiança da corte Lusitana (e me corrijam se eu estiver errado), foi recebendo o aval e muitas benesses para formar uma legião de súditos fiéis cá nesses pagos sulinos, amealhados a custa de sua influência somada a muitos obséquios. Por este caminho, Herval foi forjando-se como terra opulenta, luxuosa e influente (isto mesmo!). Por esse caminho também, além dos muitos súditos, foi sendo forjada por aqui uma pequena multidão de vassalos e alguns prováveis bobos da corte.
Um dos maiores exemplos da lealdade hervalense, talvez seja durante o episódio da Revolução Farroupilha, em que Herval se manteve firme e forte ao lado da monarquia Portuguesa, enquanto muitos vizinhos embarcavam na onda Republicana (ao menos no discurso) dos Farrapos.
Portanto, a riqueza e a influência desta terra não provinham, necessariamente dela mesma, da capacidade e da justa distribuição do trabalho dos homens e mulheres deste lugar – embora ela também as produzisse –, mas em grande parte das relações muito estreitas estabelecidas com o poder instituído naquela quadra da história. Um poder monarca que era reverenciado e reproduzido neste chão, guardadas as devidas proporções, é claro.
A derrocada do Regime Imperial foi gradativamente derrubando a maior parte das conquistas e ambições materiais constituídas por aqui até então, deixando nas bocas um gosto amargo e o balbuciar da expressão hoje consagrada de que “Herval é a terra do já teve”. A monarquia fazia água em termos materiais e enquanto possibilidade de poder, mas sua herança “espiritual” de valores, mitos e perspectivas já estava entranhada profundamente nos habitantes deste solo, daquela e das gerações futuras.
Deste modo, o sonho ou a perspectiva de ser gente alimentada em grande medida por aqui (sem generalizar, é claro), sempre foi de ser rei no que se refere à materialidade do mundo. Um mundo, neste caso, constituído por um pequeno castelo, terras em abundância, um imensurável rebanho bovino e ovino, além de uma pequena legião de súditos, vassalos e bobos.
Pois bem, décadas e décadas depois da sua fundação, surge na terra do Herval Osmar Hences, trazido a este canto do mundo pelas mãos de uma prenda nativa destes pagos. Um descendente de índios e italianos, caldeado nas lutas estudantis e pela reforma agrária. Um leitor aficionado não apenas de livros, mas da realidade na qual se via inserido.
Neste sentido, Osmar começa a desvelar as relações locais, traduzindo e problematizando muitas delas na sua prática como professor da rede pública estadual e em seus escritos que, entre os anos de 2000 e início de 2005 (se não me falha a memória), iluminaram quinzenalmente as páginas de O Herval, único jornal de circulação local.
Em seus escritos (e abro este parêntese para mencionar a importância pedagógica, histórica, antropológica, cultural, etc, da tese que lhe deu o título de mestre em educação), Osmar além de botar o dedo na ferida da monarquia encravada e tão acalentada nos corações e mentes das gentes deste lugar, também anunciava e apontava um novo horizonte de republicanização possível e necessário de ser alcançado em termos de poder e das relações interpessoais. Não a república que só existe no papel ou nos discursos mais apaixonados, mas como valor e prática civilizatória das relações públicas e humanas aqui vividas.
O Osmar socialista por convicção, admitia e propugnava a efetivação da república e tudo o que ela representa enquanto valores, direitos e deveres, de modo a oferecer novas fontes para o progresso material e humano hervalense e como alternativa para o romper com a relação patrão-peão, uma das principais responsáveis por manter vivo o espírito do mando versus vassalagem. E ele não apontava a república como novo paradigma capaz de superar a relação de servidão apenas em termos concretos, mas essencialmente enquanto possibilidade de resignificação de algo entranhando espiritualmente nas pessoas.
No meu entender, e aqui falo em termos contemporâneos, através dos seus escritos e da sua prática, Osmar Hences foi a figura que acendeu com mais vigor e maior luminosidade a chama da república em terras hervalenses. Um socialista – repito –, veio nos deixar esse grande legado, de que precisamos nos despir da roupagem monárquica e um dos melhores caminhos para tal, talvez seja empunhar honesta e firmemente a bandeira republicana.

Comentários

J P disse…
Muito bom! E esta realidade não é só do Herval, mas de grande parte da campanha.

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