Ato político
Eis
um escrito que fala por si mesmo e profundamente, dispensando legendas, filtros
ou comentários preliminares.
Diante
dele, digo apenas: vamos acordar para a vida real antes que sejamos engolidos
definitivamente por essa onda de atraso que tomou conta do Brasil e da maioria
dos brasileiros, inclusive aqueles atingidos por essa ideologia maléfica que
chama todos, mas escolhe tão poucos. Que estende tapetes vermelhos para os
grandes (ou donos) do mundo e passa rasteiras homéricas nessa gente bronzeada
que mostrou seu valor com Lula e Dilma.
A essência da oligarquia e os impasses dos governos de coalizão,
por Jeferson Miola
Este
texto é constituído de duas partes. A primeira, apresentada a seguir na
sequência de 10 tópicos, pretende abordar a essência da oligarquia brasileira;
sua natureza autoritária, rentista e patrimonialista e, em consequência disso,
sua incapacidade de dirigir a construção de uma nação democrática, soberana e
igualitária.
Na segunda parte, se busca avaliar os limites e impasses experimentados pelo espectro progressista e de esquerda para modernizar e democratizar o Brasil quando seus governos são garroteados no marco de coalizões governamentais sem identidade programática e sem convergência estratégica acerca de um projeto de desenvolvimento do país.
Na segunda parte, se busca avaliar os limites e impasses experimentados pelo espectro progressista e de esquerda para modernizar e democratizar o Brasil quando seus governos são garroteados no marco de coalizões governamentais sem identidade programática e sem convergência estratégica acerca de um projeto de desenvolvimento do país.
Parte I – a essência da oligarquia brasileira
1.
A economista Maria da Conceição Tavares, em Celso
Furtado e o Brasil [Editora Fundação Perseu Abramo, 2000], o brilhante artigo
Subdesenvolvimento, dominação e luta de classes. Este escrito preserva, ainda
hoje, notável pertinência para a discussão sobre a estratégia de transformação
do Brasil desde a perspectiva dos subalternos.
Em distintas passagens do seu texto, Maria da
Conceição ilumina o olhar sobre a natureza da oligarquia política e os seus
limites para completar a revolução burguesa:
“No ensaio Brasil: da República oligárquica ao
Estado militar, Furtado afirma logo no início que ‘a miséria de grande parte da
população não encontra outra explicação que a resistência das classes
dominantes a toda mudança capaz de pôr em risco seus privilégios’”.
Em consonância com a percepção de Furtado,
Conceição complementa:
“… podemos enunciar o problema afirmando que a
nossa peculiar ‘revolução burguesa’, começada há pelo menos 150 anos, em vez de
permitir a passagem a uma ‘ordem competitiva’, manteve um pacto de dominação
social férreo entre os donos da terra, o Estado e os donos do dinheiro, que se
caracterizou, do ponto de vista político, por uma oscilação permanente entre
uma ordem liberal oligárquica e um Estado interventor autoritário”.
2.
A oligarquia, na sua essência, além de autoritária,
é golpista; para ela, a democracia é um valor meramente circunstancial. A
história do Brasil testemunha a índole conspirativa da classe dominante, que
subverte a ordem jurídica e golpeia o Estado de Direito sempre que considera
seus privilégios de classe ameaçados por políticas distributivas e
desconcentradoras de renda.
Esta oligarquia é um obstáculo concreto a qualquer
estratégia de construção de uma nação igualitária, moderna, democrática e integrada
com altivez no mundo.
3.
A oligarquia sempre agiu para obstruir as
trajetórias de modernização e democratização do país:
[1] em 1954, fabricou o clima beligerante e a crise
política que levou Getúlio ao suicídio;
[2] em 1955 e em 1961, tentou impedir as posses de
Juscelino Kubitschek e de João Goulart;
[3] nos anos 1962 a 1964, sabotou a economia e
conspirou contra o Presidente Jango com a assistência explícita do governo dos
EUA sob o comando implícito de John Kennedy. Em 1º de abril de 1964, desfechou
o golpe civil-militar que depôs Jango e interrompeu as reformas de base e o
processo de inserção soberana e independente do Brasil no mundo;
[4] em 2002, condicionou a garantia da normalidade
política, eleitoral e institucional ao aceno, por parte do Lula, da “carta ao
povo brasileiro”, elaborada para “tranqüilizar” os mercados;
[5] em 2014, não aceitou a derrota eleitoral e
tentou impedir que Dilma assumisse. Primeiro, pediu a recontagem dos votos; e,
fracassado o intento, requereu a cassação da candidatura Dilma no TSE; e
[6] de 2014 a 2016, infernizou o país, fez
terrorismo político e induziu à brutal crise econômica para legitimar o golpe
jurídico-midiático-parlamentar perpetrado em 31 de agosto de 2016 através do
impeachment fraudulento da Presidente Dilma. Um golpe de novo tipo, sem
baionetas, tanques e generais, mas, assim mesmo, um golpe continuado [e ainda
em andamento], de impressionante violência contra os interesses nacionais e
populares e a política externa altiva e ativa do Brasil.
4.
Em todas estas circunstâncias históricas, a
denúncia hipócrita da corrupção foi o tempero da propaganda ideológica que
coesionou as classes médias e altas contra governos progressistas. A mídia e a
influência estrangeira foram, também, fatores decisivos para o sucesso das
empreitadas golpistas.
Em 1964, mais que influência, houve clara
ingerência norte-americana nos assuntos internos do país. Em 2016, observa-se o
ativismo secreto da CIA e dos Departamentos de Estado e de Justiça dos EUA em
cooperação com o MP e a força-tarefa da Operação Lava Jato.
Nos dois golpes, a Rede Globo desempenhou o papel
central de alienação, manipulação e legitimação das dinâmicas golpistas.
5.
A oligarquia brasileira tem um ethos societário
egoísta e excludente. Para ela, o Brasil jamais será uma nação para os 203
milhões de brasileiros porque deverá ser, por toda a eternidade, sua capitania
hereditária. Essa possessão marca sua genética: o Brasil foi o último país a
abolir a escravatura e o único, dentre as maiores economias do planeta, a não
completar a reforma agrária capitalista.
A dominação oligárquica fez do Brasil um dos países
mais desiguais do mundo com o aviltamento dos salários, a exclusão brutal do
povo trabalhador e o desemprego estrutural. Com a terceirização geral e
irrestrita dos contratos de trabalho, as classes dominantes sacramentaram o
pacto de dominação escravocrata que fará o país retroceder às características
da exploração oligárquica do século 19.
6.
A oligarquia estabelece com o Estado uma relação
patrimonialista e de pilhagem permanente de várias maneiras: com benefícios e
favores fiscais e tributários; na sonegação consentida e tolerada; através da
corrupção direta [licitações] e indireta [privatizações]; e, principalmente, na
acumulação preguiçosa com os juros mais pornográficos do planeta.
É, enfim, uma classe parasitária do rentismo e do
ganho fácil na orgia financeira. É uma burguesia que financeirizou seu negócios
em patamares elevados, onde a produção para o mercado interno é mero efeito
secundário da prioridade de ganhos financeiros fáceis.
Para Maria da Conceição,
“as relações de dominação e cumplicidade entre os
agentes do dinheiro mundial e as burocracias do dinheiro nacional foram a
moldura estrutural que enquadrou a formação de nossas elites ‘cosmopolitas’ e o
caráter mais ou menos dependente – ou associado – de nossa burguesia com o
capitalismo financeiro internacional. Estas relações financeiras desiguais
terminam em geral num processo de endividamento externo do Estado, que conduz
periodicamente ao estrangulamento das finanças públicas e alimenta os conflitos
do governo central com as elites locais por tornar escassos os ‘fundos
públicos’”.
7.
A fração industrial da oligarquia, sobretudo o
núcleo paulista hegemônico, defende políticas que, teoricamente, seriam
contraditórias com seus interesses, como os juros altos e a valorização do
real.
Isso representa a renúncia a um projeto de
desenvolvimento nacional autônomo, com soberania científica e tecnológica para
a geração de inteligência e empregos aqui no país, e não nas matrizes das
companhias norte-americanas, européias, japonesas ou chinesas.
Esta perspectiva interdita a inserção favorável do país
nas cadeias globais de valor e na disputa competitiva dos mercados mundiais de
bens, obras e serviços. A destruição da cadeia de gás e petróleo e da
engenharia nacional pela Lava Jato, bem como a entrega do pré-sal, o abandono
da política de conteúdo local e o ataque à cadeia de produção animal, estão
embalados neste invólucro ideológico.
8.
A oligarquia brasileira sempre se reconheceu
subalternizada e colonizada pelas metrópoles imperiais, sobretudo pelos EUA.
Aliás, faz disso seu glamour.
Não por acaso, em 18/4/2016, o dia seguinte à
“assembléia geral de bandidos comandada por um bandido chamado Eduardo Cunha”,
que aprovou o impeachment fraudulento da Presidente Dilma, o hoje chanceler
Aloysio Nunes Ferreira [PSDB/SP] voou aos EUA para prestar contas ao
Departamento de Estado sobre o processo do golpe.
É, como se vê, uma oligarquia que despreza os
conceitos de nação, povo, soberania, cultura e desenvolvimento nacional. O
mantra que embala os sonhos desta burguesia é: “se é bom para os EUA, é bom
para o Brasil”.
9.
A oligarquia brasileira, que na sua essência é
autoritária e golpista, tem traços fascistas. Os fascistas estigmatizam grupos
sociais para infundir sentimentos coletivos de ódio contra os grupos por eles
mesmos estigmatizados – em regra, os eleitos como inimigos. Hitler foi o
precursor deste método na Alemanha dos anos 1920/1930, inclusive mandando
afixar estrelas de David nas casas de famílias de judeus, para facilitar a
caçada dos “inimigos”.
Os fascistas instrumentalizam as instituições do Estado
como a PF, o MP e o judiciário para aniquilar adversários políticos e
ideológicos – Lula, o PT e as esquerdas – para, com isso, eliminar a oposição e
a resistência democrática aos atentados que perpetra contra o Estado de Direito
e a democracia.
10.
A oligarquia é um entrave à modernização e à
democratização do Brasil. Qualquer mudança do país, mesmo no marco de um
projeto social-democrata e de bem-estar-social, encontrará nesta oligarquia uma
ferrenha resistência.
Um projeto democrático-popular de transformação do
Brasil, capaz de assegurar a dignidade dos subalternos, não tem viabilidade no
marco de um governo de coalizão com a oligarquia associada ao capital
financeiro internacional e que condena o país ao atraso estrutural.
Para Maria da Conceição Tavares, “… a reconstrução
de um Estado democrático e republicano é provavelmente apenas uma aspiração
consciente dos cidadãos, isto é, dos incluídos”. A partir desta afirmação, ela
pergunta: “Mas, e os excluídos da cidadania, como chegarão a ela sem a luta de
classes?”.
A derrota da oligarquia golpista é o pressuposto
fundamental para que o país consiga se libertar da corrente que o prende ao
passado arcaico de exclusão social e dependência das metrópoles estrangeiras.
É preferível perder eleições e acumular forças, a
vencer e sofrer uma derrota estratégica por executar um programa oposto ao
necessário para construir a nação brasileira moderna, democrática e
igualitária.
Não é suficiente ganhar uma eleição, é necessário
alterar a correlação de forças na luta de classes e criar condições para poder
mudar o Brasil para melhor.
Publicado
em: www.henriquefontana.com.br
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