Momento poético
Uso a palavra para compor
meus silêncios.
Não uso das palavras
Fatigadas de informar.
Dou mais respeito
Às que vivem de barriga
no chão
Tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque
das águas.
Dou importância às
coisas desimportantes
E aos seres
desimportantes
Prezo insetos mais que
aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais do
que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso
de nascença
Eu fui aparelhado
para gostar de
passarinhos
Tenho abundância de ser
feliz por isso.
Meu quintal é maior do
que o mundo.
Sou um apanhador de
desperdícios
Amo os restos
Como boas moscas.
Queria que minha voz
tivesse formato de canto
Porque não sou da
informática
Eu sou da
invencionática.
Só uso minhas palavras
para compor meus silêncios.
Manoel de Barros, do livro "Memórias
inventadas – As Infâncias", São Paulo: Planeta do Brasil, 2010. p. 47.
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