Ato político
Sou fã incondicional de Luís Fernando Veríssimo. Um cara de gosto refinado que nunca se tornou esnobe nem fechou os olhos para a falta de fineza, para as pérolas que enfeitam porcos ou para os "puro-sangue puxando carroças", como canta o grande Gessinger.
O humor de Veríssimo é algo que impressiona e convida ao riso sincero e solto. Ao contrário do humor sem graça, apelativo e forçado promovido pelos programas humorísticos da grande mídia, o humor de Veríssimo é algo gostoso, espontâneo e belo. Belo, porque para mim, humor é uma arte e rir de si mesmo, mais que delírio ou descaso com o acerto, é um dever de ofício e, às vezes, terapia.
Mas Veríssimo se destaca e merece ser citado também quando o causo é "sério". Veríssimo sempre teve lado e foi antenado nas configurações sociais que influenciam as condições de vida em termos de grana ou civilizatórias dos indivíduos.
Veríssimo é um cidadão do nosso planeta que conhece muito bem o Rio Grande do Sul, o Brasil e o mundo. Por isso mesmo, ele sabe que os avanços alcançados pelo nosso país nos últimos anos não caíram do céu, não são obra do tempo nem representam pouca coisa e que após a hecatombe neoliberal o mundo e a humanidade se encontram diante de uma encruzilhada no âmbito político.
Veríssimo sabe ainda que muitas das políticas públicas tratadas com desdém, menosprezo ou revolta por aqui são exatamente o remédio que muitos países buscam atualmente para suas feridas, mazelas e chagas abertas pelo salve-se quem souber imposto sem pudor ou piedade pelos súditos do "deus mercado".
É com o propósito de convidá-los a observar a vida além do próprio umbigo ou os problemas para bem mais adiante dos limites do nosso país que compartilho essa reflexão lúcida, do sempre oportuno e iluminado Luís Fernando Veríssimo.
Por Luís Fernando Veríssimo
O capital financeiro predatório mantém seu poder de ditar a moral
e os costumes da época, mas não tem mais a certeza de um futuro só dele.
Francis Fukuyama (lembra dele?) decretou o fim da História com a
vitória definitiva das forças do mercado contra o dirigismo econômico. A sua
foi uma das frases mais bem-sucedidas do século passado. O Muro de Berlim caíra
em cima do que restava das ilusões socialistas, a frase não tinha resposta e o
capitalismo desregulado não tinha mais inimigos. Dominaria o planeta e nossas
vidas pelos próximos milênios.
Como o próprio Fukuyama reconheceu mais tarde numa revisão da sua
sentença, a História reagiu. O capital financeiro predatório mantém seu poder
de ditar a moral e os costumes da época, mas não não tem mais a certeza de um
futuro só dele nem a bênção da filosofia sintética e incontestável do Confúcio
da direita. Se pela História tornada irrelevante Fukuyama queria dizer
contradição e conflito, tudo o que aconteceu no mundo depois da publicação do
seu livro desmentiu sua premissa. Mostrou que a História está viva, forte e
irritadíssima. Nenhuma senhora, ainda mais com sua biografia, gosta de ser
declarada inválida antes do tempo.
A crise provocada pelo capital financeiro fora de controle levou
protestantes para as ruas na Europa e nos Estados Unidos e transformou
“austeridade”, a solução receitada para as vítimas da crise, em palavrão.
Ninguém quer pagar, com o sacrifício de gastos sociais, por uma porcaria que
não fez. E cresce a busca por alternativas para os dogmas neoliberais e pelo
fim do monólogo dos donos do dinheiro.
E o papel da esquerda na História pós-Fukuyama? O socialismo está
numa crise de identidade. Como é difícil, hoje, recuperar o sentido antigo, sem
qualificativos, de uma opção pelo socialismo, as pessoas se entregam à
autorrotulagem para se definirem exatamente, (sou dois quartos de
esquerda-esquerda, um quarto de centro-esquerda e o outro quarto deve ser
gases), o que só atrasa as discussões que interessam. Quais são os limites da
coerência ideológica e do pragmatismo? O que ainda pode ser resgatado das
ilusões perdidas? Por que não se declarar logo um neo-neoliberal e ser feliz?
Num livro recém-publicado, a ex-mulher de François Hollande revela
que ele tem horror a pobre. Se pode sobreviver a Francis Fukuyama, a François
Hollande e a partidos políticos brasileiros que se chamam de “socialistas” com
uma certa imprecisão semântica, o socialismo ainda tem um futuro, mesmo que
seja apenas um apelido conveniente para o que se quer. A escolha continua sendo
entre socialismo e barbárie. Pode-se não saber mais o que é socialismo, mas
para saber o que é barbárie basta abrir os olhos.
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