Ato Político
Tarso Genro: sempre com os pés no chão e enxergando longe!
Uma colaboração nossa para combater a crise: a europeia
O esforço feito pelas agências
financeiras privadas para promover o aumento dos juros, através do controle
seletivo da informação – via colunistas financeiros, editorialistas convictos
ou devidamente convencidos, cronistas políticos que repetem a “voz do dono”,
para lembrar o velho selo da RCA Victor – configurou-se como uma profecia
autorealizada. O medo comum da inflação e a constatação da demora, na retomada
de taxas de crescimento mais altas – proveniente das pessoas de boa fé – também
ajudou a criar o clima para a realização da “profecia”.
Quero arriscar um palpite sobre
porque as taxas de juro subiram e assim geraram um novo crescimento da dívida
pública que, de uma parte, agradou as “agências de risco” e o sistema
financeiro privado, em geral, e, de outra, brindou a oposição neoliberal com
argumentos contra a gestão financeira do Governo da Presidenta Dilma, embora a
decisão fosse de responsabilidade exclusiva do Banco Central.
Como é sabido, na crise infernal em
que está metida a União Européia, os “socorros” em curso, de bilhões e bilhões
de euros, estão sendo dirigidos não para recuperar as empresas antes
produtivas, que empregavam milhões de trabalhadores, mas para recapitalizar os
bancos. Os recurso também estão sendo repassados aos governos, mas para eles
pagarem os bancos, não para investimentos do Estado. Esta política anti-crise
está combinada com as demissões de servidores públicos, extinção de direitos,
redução drástica da proteção social e sucateamento de médias e pequenas
empresas. Na Espanha, 400 mil delas já foram fechadas ou informalizadas.
O sistema financeiro privado europeu,
em consequência, não vai utilizar o dinheiro novo, é obvio, para dotar os
Estados europeus mais débeis de meios para investir em programas de
desenvolvimento econômico e social. Nem vai usar os recursos novos para
financiar a retomada da indústria em crise, porque bancos não emprestam sem
garantias plenas de retorno. Qual o destino, então, do dinheiro “novo”? A
resposta parece óbvia: financiamento da dívida dos países mais sadios,
economicamente, – em crescimento ou em vias de retomar o crescimento – que
precisam rolar suas dívidas de maneira serena, para não desestabilizar a
confiança dos investidores externos e internos. Especulação.
Como a grande massa deste dinheiro
“novo” vem para este financiamento, o aumento da taxa de juros torna os nossos
papéis, no mercado financeiro global, mais rentáveis e atraentes (para os
bancos que os comprarem), o que resulta em repassar mais recursos do nosso país
para o sistema financeiro utilizar, a seu gosto, na crise européia. Como conseqüência,
o “temor da inflação” – meticulosamente alardeado a partir da síndrome do
tomate – pelo aumento da taxa de juros, desdobra-se numa drenagem de mais
recursos nacionais para o sistema financeiro manobrar, na Europa capitalista em
crise.
É fácil constatar que ocorreu um
movimento político, apoiado pelos meios de comunicação dominantes na mídia
nacional, para forçar uma situação de apreensão com o processo inflacionário e
assim estimular o aumento da taxa de juros, remédio preferido de dez, entre dez
economistas “liberais”, que são ouvidos como “especialistas” em dar conselhos a
governos quando estão na oposição, mas foram um fracasso rotundo quando tiveram
algum tipo de influência em decisões econômicas governamentais. Nove, entre dez
deles, hoje, são executivos de grandes bancos ou trabalham para agências
financeiras privadas, como consultores ou gerentes.
Os recursos que se vão, com o aumento
dos juros, sequer são para mitigar a situação de desespero dos gregos,
espanhóis, cipriotas, portugueses ou trabalhadores dos países atingidos pela
crise, mas passam a integrar a engrenagem da rentabilidade dos bancos, que
comandam – junto com a sra. Merkel – as desastradas políticas anti-crise da UE.
É a engrenagem da derrota final da social-democracia sem fundos, que entregou a
gestão do Estado ao capital financeiro credor.
O aumento da taxa juros estabelece,
portanto, uma solidariedade objetiva da economia brasileira com as políticas
recessivas anti-crise da União Européia, conseguida através de uma articulação
política do sistema financeiro global: o aumento da taxa de juros transfere um
adicional de recursos, que será diretamente manipulado pelo sistema, para
ajudá-lo a gerir a crise européia nos mesmos moldes em que a mesma vem sendo
enfrentada.
Fomos colocados, portanto, sob a
mesma orientação dos países “pressionados” (ou tutelados) – tutela que o Banco
Central incorporou – pela gloriosa “Tróika”, que gerencia as reformas que
devastam as condições de vida das classes trabalhadoras e das classes médias na
Europa. O aumento da taxa de juros, que aparentemente é uma forma de proteger o
país da inflação, como inclusive acreditam algumas pessoas de boa fé, pode
gerar um novo ciclo de apreensão inflacionária no país, que não revertido,
sacrificará novamente as nossas taxas de crescimento, o que já nos custou
demasiadamente caro numa outra era.
O Brasil tem reservas para enfrentar
os ataques que ainda virão, contra a nossa moeda. O componente principal da
globalização financeira é a socialização dos prejuízos, que ataca tanto os
direitos das camadas mais débeis dos países em crise, como os países em
ascenção econômica e social como o nosso que se tornam, assim, territórios
econômicos a serem extorquidos. O preço da crise européia, sobre nós, é a taxa
de juros para melhorar a perfomance dos grandes bancos encalacrados na crise. O
preço do projeto de uma nação mais justa, mais democrática e mais igual, para
nós, é ter maestria para resistir e crescer, distribuindo renda e criando
empregos de qualidade.
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