Algumas ideias e promissoras ações



Gosto muito quando sou elogiado pela minha habilidade com a escrita. Quem não gosta de ser mais elogiado do que cobrado ou criticado? No entanto, mesmo alguns elogios a esta habilidade acabam me soando como crítica. Talvez porque no passado, como forma de me atacar, alguns oponentes na política tenham se escorado tanto na falsa premissa de que “pelo muito que eu sabia imaginar, pouco sabia fazer”. Um jeito suave de acusar-me de burocrata, desconsiderando que burocrata não é necessariamente o que lida com a burocracia, mas todo e qualquer vivente habituado a se comportar como ventríloquo ou louco sem esperança. Basta uma breve observação para constatar a fragilidade dessa ideia, seja em sentido crítico ou “elogioso”.

Em minha curta jornada nesse mundo de dores e alegrias, conheço muita gente que já caiu do cavalo por acreditar que pensamento e ação são completamente antagônicos. Ou seja, que possuir certa facilidade com a produção da palavra escrita condenaria a criatura a ser boa apenas com a teoria, impedindo-a de se mover nas coisas, casos e questões práticas. Evidente que uns são mais empreendedores ou melhores executores que outros, agora acreditar que alguém habilidoso com a escrita não o pode ser com coisas ditas práticas me parece algo totalmente descabido e de difícil sustentação na vida real. E para exemplificar o que digo, invoco os nomes de Raul Pont, Fernando Haddad e Tarso Genro, intelectuais respeitáveis que se consagraram como grandes mentores e notáveis gestores de obras ou políticas públicas.

Há muito tempo o grande Paulo Freire provou, fartamente, a impossibilidade da separação entre teoria e prática, que uma não existe sem a outra. O que existe, segundo o insuperável professor, é que por questões de poder político, ideológico ou econômico, convencionou-se dividir a sociedade entre os que comandam e os que obedecem; entre os que falam e os que devem escutar; entre ações que passam a vigorar como norma ou modelo mais desejável de comportamento ou gestão e as que ficam fadadas à “clandestinidade” ou são solenemente ignoradas com o argumento de que não passam de sonho. Existe também que na maioria das engrenagens ou estruturas humanas, os atores costumam cumprir papéis diferentes e não raro inconciliáveis, ou seja, uns tem a tarefa específica de planejar e outros de atuar na execução daquilo que é planejado. Portanto, não significa que quem planeja não seja capaz de executar ou vice-versa, e sim uma questão de ordenamento político, social ou administrativo.

Entro no assunto porque atualmente ocupo uma função pública com ênfase e estrutura de trabalho montados e limitados à esfera do planejamento. A missão é permanecer em campo durante a elaboração dos projetos e passar a bola no momento da execução. No entanto, até provem contrário, me considero um homem apto a também executar, como já o demonstrei durante o período em que estive na Secretaria Municipal de Saúde. Ocorre que além de respeitar profundamente o ordenamento da administração, tenho por gosto, hábito e dever registrar minhas ideias e movimentos na vida pública por meio da escrita. Tais fatos - pouca insubordinação e muito escrever - podem contribuir para dar a falsa impressão de que meu agir começa e se esgota na escrita ou que esta serviria apenas para iluminar a ação de outrem, sendo o autor desprovido de luz, passos ou atitudes próprias.

Na verdade, a escrita não é algo estanque ou desconectado das cenas que precedem ou originam o ato de escrever. Antes o contrário. Excetuando-se a ficção ou a poesia, sustento que escrever é algo concreto que encontra forma e conteúdo a partir dos próprios ditos e feitos de quem escreve. Sem a participação ativa, efetiva ou afetiva do autor não há escrita ou não há um sentido verdadeiro para os acontecimentos registrados por meio da palavra escrita. Quem escreve normalmente toma parte naquilo que escreve, já que um relato, notícia, artigo ou narrativa caracterizam-se como ato de conhecimento, sendo que ninguém é capaz de abordar aquilo que não conhece. Da mesma forma, para conhecer mais do que imaginar é preciso experimentar. Resumindo: escrever pede, precisa e vai muito além do papel, eis aí um ato que exige talento e mais ainda, que o autor cumpra o papel de viver a cena registrada através da escrita com a máxima desenvoltura. E viver é algo dolorosamente real e dinâmico, apesar das nossas abstrações, fugas ou tentativas de congelar tudo que não nos cabe na mente ou escapa da palma da mão.


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