Ato político
Muita gente ainda não atentou para o
que ocorre no Brasil nos dias que correm. Vivemos tempos muito difíceis, desafiadores e
perigosos que podem desembocar em algo muito ruim ou num retrocesso sem tamanho ou hora para acabar.
O alvo não é apenas Lula, Dilma, o PT
e as forças políticas progressistas. O alvo são as políticas públicas
inclusivas e as conquistas civilizatórias e democráticas que levamos muitas
quadras de história para construir, a custa de muito suor, torturas, exílios,
sangue derramado e outras “cositas” e crueldades mais.
Meus pais sempre disseram que povo
costuma agir igual ovelha, se uma sai para um lado às outras todas do rebanho correm
atrás. No entanto, não é hora de se comportar como ovelha ou qualquer outro
bicho. É hora de usar aquilo que nos torna humanos, a capacidade de pensar
criticamente, e analisar os fatos e boatos atuais dentro de um contexto
histórico, para além das personagens individuais ou dos interesses
particularistas e imediatos.
Não se trata de tapar o sol com a
peneira nem salvar a pele de alguém ou de uma organização. Trata-se, isto sim, de
separar o joio do trigo, a verdade da mentira, o desejo legítimo de justiça das
condenações sumárias, muitas vezes embasadas em montagens, ilações, propagandas enganosas, provas
falsas ou testemunhos interessados ou sem credibilidade.
Ou nós avançamos como nação ou
podemos levar esse país rumo a tempos tenebrosos e à sua falência absoluta, não em
termos econômicos, mas civilizatório e institucional o que considero muito pior.
Olho vivo, cabeça no lugar e coração sereno!
Nesse contexto, o escrito do respeitável Tarso Genro, que reproduzo abaixo, ganha enorme relevância e uma força avassaladora enquanto convite a olhar o passado no sentido de deixar para atrás o mau e avançarmos pelo bom caminho...
Publiquei no Twitter uma nota
comparando a situação de Lula, atualmente – pela perseguição e discriminação
política que vem sofrendo da maioria da mídia e de setores do Ministério
Público – com a situação de perseguição que comunistas, sociais democratas
e judeus, sofreram, pela direita fascista durante a República Weimar e após a
ascensão de Hitler ao poder, em 1933. A Federação Israelita logo publicou uma
nota indignada, rapidamente apoiada pela colunista Rosane de Oliveira,
designando minha posição sobre o assunto como “palpite infeliz”. Como se eu
comparasse o cerco de Lula ao assassinato de seis milhões de judeus!
Atribuíram-me, portanto, uma posição digna de uma pessoa ignorante ou insana,
posição que não tenho e jamais dei qualquer indício de tê-la. Talvez
queiram para passar alguma mensagem que eu ainda não compreendi muito bem: que
não gostam de Lula? que não gostam da esquerda? que não gostam de se misturar
com outros tipos de perseguidos? ou acham que é falsa, a afirmação sobre a
perseguição midiática contra Lula?
Testemunhas de Jeová,
homossexuais, deficientes físicos e mentais, comunistas, sociais-democratas,
ciganos, eslavos, todos foram alvo da fúria insana do nazismo, na sua busca de
“criação” do homem alemão “total”. A comunidade judia foi seu alvo mais amplo e
preferido, com uma bestialidade que não tem precedentes. E ela foi uma
bestialidade política, o que lhe redobra a gravidade. Foram ações de barbárie
cometidas para tentar consagrar uma “raça” e uma nação, através de violências
pensadas e executadas a partir de partidos e do Estado, como programa e
como estratégia. Hitler programou apropriar-se dos bens da comunidade
judia e escravizá-la na economia de guerra (e o fez), também utilizando o
argumento de que grandes intelectuais e políticos judeus, tiveram um papel
importante na formatação da República Weimar, que ele considerava como
símbolo da decadência ocidental. Eles foram mortos, perseguidos e assassinados
pela direita fascista, inclusive antes de Hitler chegar ao poder: o Holocausto
teve atos preparatórios, políticos e de ação direta, não foi um mero acaso
racial.
As perseguições foram combinadas
com ações físicas de malfeitores fardados contra os judeus, sociais
democratas, intelectuais de todas as origens, comunistas e sindicalistas, e
contra todos os que lutavam pela democracia e pela República. Quando eu disse,
no Twitter, que Lula era o “judeu da vez” estava me referindo claramente a
estas perseguições preparatórias ao que foi o Holocausto, como barbárie
“científica” e coletiva. Por que a Federação quer proibir esta analogia? Não
temos direito de fazê-la, porque ela, a Federação, detém o monopólio da dor, ou
porque somos de esquerda e somos solidários com Lula? Não sabem que,
quando Flavio Koutzii era torturado na Argentina, os militares torturadores
diziam que a situação dele era mais grave porque “era, além de comunista,
judeu?” Seria errado ou ofensivo à Federação Judaica, dizer que ali
Flavio Koutzii “era o judeu da vez”? Ou não? Aliás, seria ofensivo dizer
que os negros, na África do Sul, do “apharteid”, foram os “judeus da vez” dos
racistas de todo o mundo? Creio que a Federação Israelita não assimila o fato
de que a tragédia do Holocausto é uma tragédia universal e não uma tragédia
somente de uma comunidade racial ou religiosa.
Faço estes esclarecimentos em
respeito a vários amigos meus, judeus, de diferentes posições políticas, com os
quais tenho dialogado por muitos anos, em torno de vários assunto políticos,
filosóficos e históricos, e com os quais tenho aprendido muito e quem sabe
também ajudado um pouco nas suas reflexões. Em homenagem a eles, lembro outros
“judeus da vez”: Walter Rathenau, ex-Ministro da Reconstrução e das Relações
Exteriores (1921) da República de Weimar, assassinado – primeiro na sua
reputação – depois fisicamente (24 de jun.1922), cujos sicários Hitler,
quando chegou ao poder (em 1933), declarou “heróis nacionais”; Hugo Preuss,
jurista de renome internacional, “pai da Constituição Alemã”, que serviu de
“judeu da vez”, para que a direita fascista apontasse a democracia da
Constituição como encomendada pelo Presidente dos Estados Unidos (Wilson),
pelos judeus e pelos comunistas, para “destruir Alemanha”; Mathias Erzberger,
“judeu da vez” que negociou o armistício no fim da Primeira Guerra, apontado na
mídia direitista e em milhares de cartazes nos muros de Berlim, como “o gênio
mau do povo alemão”, assassinado num segundo atentado em 26 de agosto de 1921,
pelo Oficial da Marinha Tillesen, logo exilado na Hungria e também
declarado “herói nacional”, por Hitler, em 1933.
Acho que a expressão “judeu da
vez” deveria ser consagrada como homenagem aos milhões de mortos pelo nazismo,
sejam eles judeus ou não. Para que nunca mais aconteça. Independentemente de
que a Federação Israelita o permita.
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