Pensar é preciso
As críticas de parcelas da população,
integrantes da oposição e até mesmo da situação, fazem com que o momento
político da presidente Dilma Rousseff (PT) seja delicado. No mês em que
milhares de pessoas foram às ruas para se posicionar de forma contrária às
iniciativas da gestão petista, o deputado federal Henrique Fontana (PT) defende
que o partido se reestruture, ouça as críticas e tenha capacidade de reação,
inclusive “cortando na carne” políticos do partido envolvidos em investigações
sobre desvios de recursos públicos.
Nesta entrevista ao Jornal do
Comércio, Fontana crítica o estigma de que o PT é uma legenda
corrupta, acusa setores da oposição e da mídia de incitarem posições
“totalitárias que julgam de forma unilateral e coletiva um partido político e
um governo” e defende a investigação irrestrita às irregularidades, em todos os
partidos e setores sociais. “Não dá pra aceitar a simplificação da temática,
porque a corrupção no Brasil não começou no governo do PT”, disse.
Fontana defende uma reestruturação
partidária com o retorno de lideranças histórias que possam auxiliar no momento
de crise. Ex-líder do governo Dilma – até a vitória do desafeto Eduardo Cunha
(PMDB) para a presidência da Câmara dos Deputados – o parlamentar dá um
ultimato no principal aliado e, muitas vezes, mais polêmico partido da base
aliada: o PMDB. “O PMDB tem que tomar a decisão se vai sustentar o governo. Não
podemos mendigar o apoio. O PMDB que tem que dizer se é governo ou oposição”,
sentencia.
Jornal do Comércio – Como avalia os
protestos pró e anti-governo federal das últimas semanas?
Henrique Fontana – A primeira grande
questão é que os movimentos reivindicatórios devem ser saudados dentro de uma
democracia. Óbvio que do meu ponto de vista devem ter claros os seus objetivos.
Impeachment, golpe militar e incitação ao preconceito temos que criticar e
refutar. As manifestações favoráveis que também incutiam críticas a determinadas
a ajustes nos benefícios sociais temos que absorver e discutir. E a parte das
manifestações contrárias ao governo, que reivindica ajustes na política
econômica, reforma política, política mais próxima do cidadão, o combate às
mordomias que, ao longo da história, os acompanham processos de poder, o pedido
de lideranças mais próximas e de austeridade precisam ser ouvidos com atenção.
JC – O PT consegue ouvir essas
demandas? Na Assembleia Legislativa, a avaliação feita na tribuna pelos
deputados do partido é de que se tratavam de manifestações da elite.
Fontana – O PT não deve
enveredar por esse caminho, deve tanto respeitar a manifestação crítica ao
governo, como deve acolher as manifestações que apoiam o nosso governo. O que o
PT deve é ser muito firme contra essa parcela da manifestação que sai com
cartazes nas ruas pedindo a volta da ditadura militar. É verdadeiro que as
pesquisas de institutos demonstraram que a maioria dos manifestantes foram
eleitores do (senador e ex-candidato à presidência da República, do PSDB) Aécio
Neves, mas isso não retira a legitimidade das manifestações. Não é correto e
bom para o PT rotular a manifestação que critica o governo. Ao longo do tempo,
a tendência é de que fiquem mais claras as posturas dos grupos que integraram
as manifestações, aqueles que quiserem apostar no impeachment vão ter que se
assumir como tal e não usar de artifícios de uma manifestação legítima. O
momento do Brasil trocar de governo, se a maioria da população tiver essa
vontade, será em 2018. É preciso entender que democracia é o sistema em que a
maioria legitimamente ganha uma eleição, como a Dilma ganhou, e governa com
erros e acertos, procurando ouvir o todo.
JC – O pacote de medidas anticorrupção
apresentado pela presidente Dilma foi uma resposta incisiva para os pedidos que
emergiram nos protestos?
Fontana – Contesto duramente
quem diz que o pacote é de medidas requentadas. Se o Parlamento tiver coragem
de não enrolar e não engavetar, só a criminalização do caixa dois, isso seria
uma revolução nos costumes da política brasileira. O combate à corrupção não
pode ser uma cruzada contra a política, tem que ser um combate com medidas
institucionais que possam estreitar o espaço dos envolvidos em corrupção.
JC – Como vê o debate sobre corrupção
no País?
Fontana – Há uma convergência
nacional de priorizar o combate à corrupção. Acredito que parte da
instabilidade política que a presidenta está administrando se deve à coragem de
não aceitar a criação de um ambiente de acordos que incluísse uma diminuição da
intensidade dos processos investigatórios. Partes da oposição e da mídia estão
instrumentalizando a discussão com o objetivo de derrubar a presidenta, através
de simplificações grosseiras e do incentivo ao preconceito e à intolerância,
com frases totalitárias que julgam de forma unilateral e coletiva um partido
político e um governo. Os julgamentos têm que ser individuais e os
comprometidos com corrupção devem pagar pelos atos ilegais que cometeram. Não
dá pra aceitar a simplificação da temática, porque a corrupção no Brasil não
começou no governo do PT. Os casos de corrupção durante os governos do PT me
incomodam profundamente e continuarei trabalhando para evitar que ocorram e
para punir os responsáveis. Mas também temos que ir a fundo, com a mesma força,
para investigar o cartel e as propinas pagas na Companhia de Trem de São Paulo
que é dirigia pelo PSDB.
JC – Como reverter esta construção
social que aponta o PT como um partido corrupto?
Fontana – Primeiramente,
temos que debater com a sociedade que a corrupção deve ser punida com o mesmo
rigor em todos os partidos, no setor empresarial, na sociedade e no serviço
público. E o PT tem que ter capacidade de cortar na própria carne e punir
aqueles que dentro do partido ou nos governos que dirigimos, respeitado o processo
legal. Mas será que as pessoas acreditam que as empresas, até começar o governo
do PT, fizeram todas as obras ao longo da história do Brasil, sempre no preço
justo? Que nunca teve nenhuma propina, nunca nenhum servidor público ou
político das fases anteriores que recebeu vantagens? O argumento da oposição,
de que agora há uma corrupção sistêmica, não é verdade.
JC – Cortar na carne significa afastar
os políticos investigados ou esperar o julgamento e, somente em caso de
condenação, retirá-los?
Fontana – Depende de cada
caso e das provas que apareçam. Quando o PT afastou o deputado André Vargas
(cassado por quebra de decoro parlamentar, em 2014), estava claro que o
conjunto de evidencias indicava contra ele. Acredito que a maior parte das
pessoas que estão citadas nesta lista do procurador-geral (da República,
Rodrigo Janot, na Operação Lava Jato), ao final serão consideradas culpadas. Na
política, quando surgem evidencias fortes de problema, as pessoas têm que
afastar da função não porque estejam condenadas, mas porque perderam as
condições políticas para desempenhar suas tarefas. Defendo que o PT deve
recompor, com exceção do presidente, toda a direção nacional, que leve os seus
quadros mais experientes e testados para preparar o partido nesse momento de
grande embate. Defendo que vá para a direção nacional do PT, um Tarso Genro, um
Olívio Dutra e um Raul Pont, pessoas que tem uma experiência e nesse momento
não estão em cargos eletivos, porque nosso partido está precisando. Quando
temos um conjunto de quadros que estão disponíveis, grandes quadros da
intelectualidade que têm simpatia conosco, temos que fazer uma direção política
de grande densidade e de grande experiência política. A disposição de uma parte
dos nossos adversários é de trabalhar pelo golpe e pelo impeachment e não
adianta disfarçarem. Mas não vamos entregar a rapadura.
JC – Estes quadros não deveriam estar
em ministérios? Os ministros e mesmo o Congresso Nacional consegue dar
sustentação ao governo?
Fontana – Temos um problema
sério na conjuntura política nacional, Eduardo Cunha não será um bom presidente
para o Parlamento brasileiro. O sistema político brasileiro está num grau de
exaustão e inadequação para as necessidades do País enorme e Eduardo Cunha tem
trabalhado para criar constrangimentos e dificuldades à governabilidade de uma
gestão eleita por quatro vezes consecutivas, pela maioria da população.
JC – Ficou evidente a força de Eduardo
Cunha na saída do ex-ministro da Educação Cid Gomes (Pros), já foi o deputado
quem anunciou a demissão?
Fontana – Não acho. O anuncio
da saída faz parte estilo provocador, de uma postura autoritária do Eduardo
Cunha. Acredito que a presidenta está pedindo ao vice-presidente da República,
Michel Temer (PMDB), que ajude a organizar a base de sustentação, porque temos
a obrigação e a responsabilidade de sustentar um governo. O governo não é do
PT. A presidenta é do PT e o vice do PMDB, mas não dá para o vice ser do PMDB e
uma parte do PMDB querer ocupar ministérios e não ter responsabilidade de sustentar
o governo dentro do parlamento. O PMDB tem que tomar a decisão se vai sustentar
o governo. Não podemos mendigar o apoio. O PMDB que tem que dizer se é governo
ou oposição, não pode passar o resto da vida em uma espécie de ambiguidade que
lhe permite tudo, ser governo e não ser governo ao mesmo tempo.
JC – Quem vai fazer essa cobrança? O PT
tem como fazer essa pergunta?
Fontana – Se eu fosse líder
do governo não poderia dizer disso, mas algumas pessoas tem que dizer o que
está acontecendo. Espero que o PMDB, por maioria, decida ficar no governo e que
efetivamente pactue um modus de convívio. Existe a independência do poder, mas
o presidente da Câmara não pode continuar fazendo opções permanentes de oposição.
JC – Nesse cenário qual a possibilidade
de votação da reforma política?
Fontana – Temos que fazer a
reforma política, o presidente da Câmara vai resistir muito a essa mudança
estrutural do financiamento, mas acredito que possa sair. A sociedade está se
mobilizando e alguns se perguntarão: será que o parlamento vai ouvir a
sociedade? Esse jogo está sendo jogado. Sempre defendi o financiamento público
exclusivo para as campanhas, mas para a realidade brasileira defendo a proposta
da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e da CNBB (Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil) de, primeiramente, estabelecer a proibição total de empresas
financiarem eleições e partidos políticos a qualquer tempo, ou seja, dinheiro
de empresas zero. Segundo, acolhe-se que pessoas físicas possam colaborar com
valores máximos. Terceiro, define tetos que rebaixam profundamente os custos de
campanha e isso vai simplificar o marketing eleitoral e quarto criminaliza o
uso de caixa dois.
JC – Diante dessa conjuntura como o PT
vem para a disputa municipal de 2016? O senhor concorre?
Fontana – A questão principal
é fazer um esforço para montarmos uma aliança forte, uma coalizão que
represente todo um conjunto de méritos que se acumularam naqueles anos de
administração popular em Porto Alegre. É muito importante a recomposição de
setores e defendo um esforço para termos o PCdoB, PSB, conversar também com o
P-Sol, com outros partidos que estão no governo atual. Desses partidos, aparece
o nome da deputada estadual Manuela d’Ávila (PCdoB), que tem uma qualidade
enorme, é uma líder política por quem tenho profundo respeito e com quem tenho
uma enorme afinidade de posicionamento político. Aparece meu nome, aparece o
nome da (deputada federal) Maria do Rosário (PT), e eventualmente poderão
aparecer outros. Algum dos grandes líderes da geração anterior à nossa pode se
dispor a voltar e concorrer a prefeito seria acolhido com grande apreço. É
precipitado falar em nomes, devemos apostar na constituição de uma aliança
política sólida, capaz de produzir um programa que empolgue a cidade e que
consiga de fato colocar todos em um uma mesma candidatura, preferencialmente. A
eleição tem dois turnos, mas é melhor fazermos todo um esforço para uma
candidatura única, sem imposições de parte a parte. Não há candidaturas
naturais, não há naturalidade pra dizer que quem tem que ser cabeça de chapa é
partido A ou partido B, temos que estar abertos a todos os cenários, e quem
quer ter apoio tem que estar disposto a apoiar.
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