Pensar é preciso
Tarso Genro: País ficou polarizado e demarcado
após Lula.
Veja a entrevista publicada na Leitura Global
O governador do Rio Grande do
Sul, Tarso Genro (PT), disse que a corrida pela Presidência será polarizada
entre PT e PSDB, sem espaço para uma terceira força política representada pelo
PSB de Eduardo Campos. “Acho que no Brasil isso ficou bem demarcado a partir do
governo Lula”, avaliou, em entrevista exclusiva ao Broadcast Político e o
jornal O Estado de São Paulo. A chapa de Tarso, que tentará a reeleição, deverá
ser lançada oficialmente na próxima semana com a presença do ex-presidente Lula
e da presidente Dilma Rousseff. Segundo as pesquisas de intenção de voto, a
principal oponente do petista na disputa será a jornalista e senadora Ana
Amélia Lemos (PP), que formou aliança com o PSDB no Estado e, portanto, dará
palanque a Aécio Neves.
Tarso afirmou que a oposição terá
dificuldade para sustentar o discurso de choque de gestão e enxugamento da
máquina pública, tanto na eleição estadual como na nacional. “Vamos desafiar os
adversários para que falem publicamente que vão reduzir gastos sociais. Eles
querem cortar, mas não terão coragem de dizer”, disse.
O gaúcho, que foi ministro no governo Lula entre 2004 e 2010, exaltou a liderança do ex-presidente Lula na política, mas afirmou que o PT precisa passar por uma reestruturação se não quiser que a militância de esquerda venha a se fragmentar no Brasil. “O PT tem o risco de se tornar um partido de esquerda tradicional, o que seria um desfavor para a sociedade brasileira.” Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
O senhor vai enfrentar nas urnas PMDB, PP e PDT, partidos que são da
base aliada da presidente Dilma Rousseff, mas apoiam outros candidatos no Rio
Grande do Sul. O que acha do cenário atual de alianças no Brasil?
É uma deficiência estrutural do
nosso sistema político, um sinal de atraso. O correto é que os Estados meçam
sua visão de progresso a partir de uma ótica nacional e não procurem subordinar
o seu desenvolvimento a interesses puramente localistas. A integração que
fizemos com a União (no governo Dilma) rompeu com essa tradição no Estado. Mas
o debate eleitoral e ideológico no Rio Grande do Sul sempre foi muito marcado
entre esquerda, centro e direita. Por isso, as alianças nacionais não funcionam
aqui. Para nós não há estranhamento no fato de o PMDB local, por exemplo, não
apoiar a nossa candidatura nem a da Dilma. Aqui, ao invés de se tornar um
partido centro-progressista, o PMDB foi para a centro-direita, cobriu a
inexistência do PSDB.
Uma parte do debate eleitoral no Rio Grande do Sul deve girar em torno
do gasto público. Como o senhor pretende se defender das críticas de um suposto
descontrole das finanças do Estado?
Não há descontrole das finanças,
o que há é um controle para sair de uma crise herdada. O avanço que fizemos nos
permite desenhar uma sustentabilidade para os próximos dois anos. Com a
aprovação (no Senado) do projeto de lei de mudança do indexador da dívida de
Estados e municípios, que ocorrerá em novembro, os Estados terão que apresentar
uma política financeira de transição para chegar a 2027 com uma situação mais
sadia. Estamos fazendo isso. Também é preciso dizer que os gastos que
aumentamos são gastos sociais. Vamos desafiar os adversários para que falem
publicamente que vão reduzir esses gastos sociais. Eles querem cortar, mas não
terão coragem de dizer.
A senadora Ana Amélia tem falado muito da redução da máquina pública...
Este é o discurso do Aécio Neves, repetido pela Ana Amélia, que é uma figura respeitável, mas que nunca foi gestora e não conhece a estrutura do Estado, não conhece nem o Rio Grande do Sul. Ela sempre foi mais ligada ao agronegócio e à televisão, onde a pessoa pode dizer tudo sem receber resposta. Ela está completamente equivocada sobre o que é o nosso Estado, o que é sua estrutura produtiva e quais são os problemas que um governante enfrenta.
Esse também vai ser um debate no nível nacional, entre o senador Aécio e
a presidente Dilma. O senhor vê lugar para uma terceira via, representada pelo
PSB de Eduardo Campos?
Acho difícil, porque esse não é
um debate nacional, mas sim mundial. E na raiz dessa discussão está a seguinte
questão: como você recebe a globalização no território, nas finanças públicas e
nas instituições? De uma forma passiva ou adequando-se de maneira virtuosa aos
interesses do Estado? Com mais ou menos chantilly, esse é o grande debate
mundial. Quando Aécio e Ana Amélia falam em choque de gestão, a população sabe
o que significa: menos políticas sociais, compromisso primário com a
globalização exigida pelo capital financeiro e ausência de iniciativas para
atrair investimentos que dinamizem a base produtiva local.
É nesse contexto que o senhor acredita que não haveria espaço hoje para
o PSB?
Sim, acho que no Brasil isso
ficou bem polarizado e demarcado a partir do governo Lula. Entendo que, na
questão nacional, haverá uma nova agenda para o próximo presidente ou
presidenta: reestruturação da federação, que está totalmente deformada; saúde
nas grandes regiões metropolitanas; transporte coletivo popular nos centros
urbanos e segurança pública. Esta é a agenda do Brasil para os próximos 12, 14
ou 16 anos. E o candidato que entrar no debate político sem estar armado sobre
essas quatro questões vai ter um desgaste no processo eleitoral.
O que o senhor achou da estratégia do PT de utilizar o mote do “medo” no
programa eleitoral do partido no rádio e na televisão?
Não vi problema. A grande conclusão que você pode tirar é que as pessoas estão com medo mesmo, porque isso (a propaganda) teve um efeito muito devastador. Não estamos falando do medo relacionado à violência. A propaganda falou que os programas que o PT tem estão sendo impugnados, e que o desemprego e a miséria podem voltar no País.
O senhor acha que pode haver um retrocesso dos programas sociais se o
Aécio for eleito?
Sim, porque não se faz esse
choque de gestão que ele está colocando sem que se cortem recursos. Como o
pagamento da dívida não pode ser cortado, porque isso desequilibraria o
relacionamento do Brasil com o mercado internacional, o corte só pode ser no
arrocho salarial e nos programas sociais. Isso é um equívoco. É apostar na
recessão e no aumento do desemprego. Isso não é bom para o País.
O PT gaúcho deverá receber o Lula e a presidente Dilma no Rio Grande do
Sul na semana que vem. O Lula continua sendo a figura central do PT?
Ele continua sendo uma figura
central da política brasileira porque fez com sucesso uma sucessora e continua
tendo posições que são explicitadas nacionalmente, inclusive com relação ao
partido. Lula já deu duas ou três declarações sólidas sobre a renovação do
nosso partido, de uma maneira pela primeira vez muito aguda. Isso é positivo.
Sou da minoria partidária que acha que o PT tem que ser reestruturado
ideologicamente, programaticamente e politicamente.
Por quê?
O PT tem o risco de se tornar um
partido de esquerda tradicional, o que seria um desfavor para a sociedade
brasileira. Isso não é uma crítica aos partidos tradicionais. Todos têm que ser
respeitados. Mas toda a democracia precisa ter um partido rebelde,
transformador, que desenvolva um espírito utópico que move as mudanças
generosas de qualquer sociedade. E o PT, com a sua condição de partido de
governo, se aproxima de um pragmatismo perigoso. No próximo período, o PT tem
que assumir novamente uma função transformadora mais aguda na sociedade
brasileira. Se não o fizer, o campo popular, de esquerda, vai se fragmentar em
milhares de micro organizações e a direita e a centro-direita vão reinar por
muito tempo no futuro do País.
E por onde deveria começar esse resgate da essência do PT?
Por um
sistema de alianças mais coerente, soldado com um centro político de esquerda
amplo. Pela reforma da federação, que envolve a reestruturação da dívida
pública e projetos sólidos voltados às grandes regiões metropolitanas. E pela
compreensão do diálogo e colagem do partido com os movimentos sociais. Se o PT
não fizer isso, corremos o risco de ficar como os partidos sociais democratas
europeus hoje, que são uma face mais generosa da direita liberal.
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