Ato político
A reflexão lúcida de Luís Nassif vem de encontro ao que a imensa maioria dos brasileiros está percebendo: Dilma ainda não merece nota 10, mas precisa de um segundo mandato para fazer um governo melhor e, principalmente, para o Brasil ter a chance de mudar ainda mais.
Para entender o desgaste do governo Dilma
Luís Nassif
Há alguns fatores inevitáveis explicando o ódio de parte do
eleitorado a Dilma Rousseff e uma espécie de desânimo generalizado
em relação ao país.
Os grupos de mídia vem batendo diuturnamente na presidente. Mas essas
campanhas são pró-cíclicas - isto é, ajudam a acentuar o movimento de
baixa da presidente. Ou seja, os grupos de mídia não criam, apenas
acentuam um estado de espírito pré-existente.
JK e Lula foram alvos de campanhas pesadíssimas e conseguiram não apenas
superar como manter em alta a autoestima nacional. Em plena campanha para o
governo do Rio, o Jornal Nacional montou várias cenas de arrastão nas praias,
tentando passar a ideia de descontrole. E Brizola virou o jogo.
Os fatores conjunturais
Há um conjunto de fatores conjunturais que aguçam o pessimismo
atual da opinião pública.
Um deles é o fim do ciclo de otimismo intenso que se
seguiu à superação da crise de 2008, à conquista da sede da
Copa e das Olimpíadas, à consagração internacional das políticas de
inclusão.
Cada mudança de patamar significa maiores cobranças nas etapas
seguintes. Cria-se de uma demanda impossível de atender. Já tratei
diversas vezes esse tema dos ciclos de otimismo-pessimismo.
Essa frustração acentua dois movimentos relevantes de opinião pública.
Um deles, a quebra de expectativas de quem ascendeu à classe
média. Os novos cidadãos não se contentam com o que conquistaram
até agora e querem mais. O segundo movimento é o da resistência
das classes média e alta contra os novos incluídos.
Esses dois movimentos foram atenuados na fase anterior pela situação da
economia, permitindo a Lula praticar uma espécie de política do ganha-ganha.
Com a frustração do crescimento, esses sentimentos voltam à tona com
toda força, potencializados pela liberação de energia através das redes
sociais.
A comunicação pública
Aí entram os fatores de responsabilidade do governo.
O maior deles foi o amplo descuido para com a opinião pública - a
opinião pública ampliada e os grupos organizados da sociedade - e uma política
de comunicação amorfa. Essa inércia permitiu que os grupos de mídia jogassem
sozinhos em campo.
Apesar da CGU (Controladoria Geral da União), da Lei da Transparência,
das ações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, venceu a versão
do “governo mais corrupto da história”.
Mesmo tendo retomado os investimentos públicos e deixado um legado de
obras relevantes, os PACs (Programas de Aceleração do Crescimento) ficaram mais
conhecidos pelas obras inacabadas do que pelas obras entregues.
Na área social, a imagem da educação não se fixou nos avanços
obtidos - que refletem ações de governo - mas na posição absoluta do país nos
rankings internacionais - que reflete uma situação histórica.
Inúmeros boatos alimentados pela mídia - como o suposto apagão iminente
do setor energético - não foram enfrentados. Não se cuidou de prover informação
sequer para sites e blogs empenhados em desmanchar o terrorismo.
Também não se esclareceu a população sobre os gastos e ganhos da Copa
nem sobre trabalho de articulação de diversas instâncias –estados,
municípios, poder judiciário, Ministério Público, clubes de futebol setor
privado -para um projeto que, até agora, tem sido bem sucedido.
Mesmo após as manifestações de junho de 2013 e a eclosão da comunicação
digital, o governo não se preocupou em montar uma estratégia para
enfrentar os boatos de rede e de mídia.
O estilo Dilma e a manifestação de poder
Mas o ponto central de desgaste de Dilma é o fato de ser uma
presidente sem poder.
Explico melhor esse conceito.
A manifestação de poder de um governante se expressa na maneira como
negocia com os diversos setores e consegue implementar suas (da presidente)
determinações.
Para isso, não basta apenas o poder da caneta.
O governante precisa ter debaixo de si uma estrutura que permita
controlar o enorme cipoal burocrático do governo, um Ministério proativo que
ajude a filtrar as demandas e se responsabilize pela implementação de medidas e
pelos resultados da sua pasta.
Com muito mais condições que o presidente, é o Ministro
proativo que tem a temperatura do setor, controle sobre sua estrutura e a
responsabilidade de identificar problemas, trazer soluções e propor medidas
inovadoras. O Presidente é o maestro da orquestra.
Dilma não montou um Ministério com essa incumbência. Por vontade
própria, tornou-se um maestro sem orquestra.
Além disso, o presidente necessita
de “operadores” – pessoas de sua estrita confiança incumbidos de
fazer valer as ordens nos diversos nichos de poder: Ministérios, autarquias,
instituições públicas etc. Também não dispõe desses quadros. É muito
desconfiada para conferir esse poder a terceiros.
Lula tinha vários “operadores”: Antônio Pallocci junto ao setor
privado, Gilberto Carvalho junto aos movimentos sociais, José Dirceu junto
aos diversos segmentos de poder (embora muitas vezes corresse em raia própria),
tinha a confiança de dirigentes de fundos de pensão e de bancos públicos e o
próprio CDES para contato direto com a chamada sociedade civil organizada.
Além disso, mantinha Ministros de peso sendo interlocutores de seus
setores – como Luiz Furlan, no MDIC, Roberto Rodrigues na
Agricultura, Gilberto Gil/Juca na Cultura, Nelson Jobim na Defesa; Márcio
Thomaz Bastos na Justiça; Fernando Haddad na Educação; Celso Amorim nas
Relações Exteriores. Todos com capacidade de formulação e poder de
decisão garantido pelo presidente. Ou seja, cada Ministro era a expressão do
poder do presidente.
Quando o poder é claro, torna-se o imã que atrai todas as
demandas e expectativas. E o Presidente torna-se um mediador de conflitos.
Por falta de experiência com o cargo e com a política, Dilma não soube
montar essa estrutura nem deu liberdade para seus Ministros montarem as suas.
Ou seja, o poder presidencial não chega na ponta.
Daí se entende a frustração geral de seus interlocutores.
Os que chegam até Dilma encontram uma presidente cheia de energia,
boa vontade e racionalidade. Algum tempo depois percebem que nada do que
prometeu será implementado.
Some-se a uma política econômica errática e com parcos resultados e se
terá a explicação para o desgaste atual do governo.
Mesmo assim, Dilma acumula uma série de vantagens sobre seus
adversários. Dos três pré-candidatos é a única a acenar com um
projeto de país, mesmo mal implementado; com compromissos irredutíveis em
relação às políticas sociais; com a noção de que a construção nacional
passa pela economia, infraestrutura, educação e inovação e políticas inclusivas;
com a fixação pela transparência pública. E com alguns projetos
transformadores, como o sistema do pré-sal e o próprio PAC.
Pode ser que, com a experiência do primeiro mandato, vencendo as
eleições possa-se ter um segundo mandato mais eficiente. Pode ser que a
teimosia não permita. De qualquer modo, Dilma está na situação do time de
futebol que depende apenas dos seus resultados para vencer.
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