Ato político
Enfim, uma
manifestação lúcida e profunda acerca de um debate que a grande mídia, como de
costume, junto com as forças do atraso, usam e abusam da desinformação para
provocar a revolta com tudo que é público e com governo do país que trabalha
para fazer o Brasil avançar em prol de todos os brasileiros.
O JOGO PESADO: TIRAR A PETROBRAS DE
CAMPO
Por
Saul Leblon (Carta Maior)
“O
caso Pasadena pode ser tudo menos aquilo que alardeia a sofreguidão
conservadora. Pode ser o resultado de um ardil inserido em um parecer técnico
capcioso. Pode ser fruto de um revés de mercado impossível de ser previsto,
decorrente da transição desfavorável da economia mundial; pode ser ainda
–tudo indica que seja-- a evidência ostensiva da necessidade de se
repensar um critério mais democrático para o preenchimento de cargos nas
diferentes instancias do aparelho de Estado. Pode ser um mosaico de todas
essas coisas juntas. Mas não corrobora justamente aquela que é a mensagem
implícita na fuzilaria conservadora nos dias que correm. Qual seja,
a natureza prejudicial da presença do Estado na luta pelo desenvolvimento do
país.
Transformar
a história de sucesso da Petrobrás em um desastre de proporções ferroviárias é
o passaporte para legitimar a agenda conservadora nas eleições de 2014.
Ou não será exatamente o martelete contra o ‘anacronismo intervencionista do
PT’ que interliga as entrevistas e análises de formuladores e bajuladores
das candidaturas Aécio & Campos? (Leia neste blog ‘Quem vai mover as
turbinas do Brasil?’) Pelas características de escala e eficiência,
ademais da esmagadora taxa de êxito que lhe é creditada – uma das cinco
maiores petroleiras do planeta, responsável pela descoberta das maiores
reservas de petróleo do século XXI-- a Petrobrás figura como uma
costela de pirarucu engasgada na goela do mercadismo local e internacional. Ao
propiciar ao país não apenas a autossuficiência, mas a escala de descobertas
que encerram o potencial de um salto tecnológico, capaz de contribuir
para o impulso industrializante de que carece o parque fabril do país, a
Petrobrás reafirma a relevância insubstituível da presença estatal na ordenação
da economia brasileira.
Estamos
falando de uma ferramenta da luta pelo desenvolvimento. Não de um conto de
fadas. Há problemas. A empresa tem arcado com sacrifícios
equivalentes ao seu peso no país. Há dois anos a Petrobrás vende gasolina
e diesel por um preço 20% inferior ao que paga no mercado mundial.
Tudo indica que a cota de contribuição para mitigar as pressões inflacionárias
decorrentes de choques externos e intempéries climáticas
tenha chegado ao limite. Mas não impediu que a estatal fechasse
2013 como a petroleira que mais investe no mundo: mais de US$ 40 bilhões/ano: o
dobro da média mundial do setor.
Ademais,
ela é campeã mundial no decisivo quesito da prospecção de novas reservas.
Os
números retrucam o jogral do ‘Brasil que não deu certo’.
O
pré-sal já produz 405 mil barris/dia. Em quatro anos, a
Petrobras estará extraindo 1 milhão de barris/dia da Bacia de Campos. Até
2017, ela vai investir US$ 237 bilhões; 62% em exploração e produção. Em 2020,
serão 2,1 milhões de barris/dia. Praticamente dobrando para 4
milhões de barris/dia a produção brasileira atual.
O
conjunto explica o interesse dos investidores pela petroleira verde-amarela que
está sentada sobre uma poupança bruta formada de 50 bilhões de barris do
pré-sal. Mas pode ser o dobro disso; os investidores sabem do que
se trata e com quem estão falando. Há duas semanas, ao captar US$ 8,5 bi
no mercado internacional, a Petrobrás obteve oferta de recursos em
volume quase três vezes superior a sua demanda. O marco regulador
do pré-sal -- aprovado com a oposição de quem agora agita a bandeira da defesa
da estatal –- instituiu o regime de partilha e internalizou o comando de todo o
processo tecnológico, logístico, industrial, comercial e financeiro da
exploração dessa riqueza.
Todos
os contratados assinados nesse âmbito passam a incluir cláusula obrigatória de
conteúdo nacional nas compras, da ordem de 50%/60%, pelo menos. Esse é o ponto
de mutação da riqueza do fundo do mar em prosperidade na terra. Toda uma
cadeia de equipamentos, máquinas, logística, tecnologia e serviços diretamente
ligados, e também externos, ao ciclo do petróleo será alavancada nos
próximos anos. O conjunto pode fazer do Brasil um grande exportador
industrial inserido em cadeias globais de suprimento e inovação – justamente
o que falta ao fôlego do seu desenvolvimento no século XXI.
É o
oposto do projeto subjacente ao torniquete de manipulação e engessamento
que se forma em torno da empresa nesse momento. Para agenda neoliberal
não faz diferença que o Brasil deixe de contar com uma alavanca
industrializante com as características reunidas pela Petrobrás. Pode ser
até bom. O peso de um gigante estatal na economia atrapalha a ‘ordem
natural das coisas’ inerente à dinâmica dos livres mercados, desabafa a lógica
conservadora. A verdade é que se fosse depender da ‘ordem natural das
coisas’ o Brasil seria até hoje um enorme cafezal, sem problemas de
congestionamento ou superlotação nos aeroportos, para felicidade de nove entre
dez colunistas isentos.
Toda a
industrialização pesada brasileira, por exemplo – que distingue o país
como uma das poucas economias em desenvolvimento dotada de capacidade de se
auto-abastecer de máquinas e equipamentos – não teria sido feita. Ela
representou uma típica descontinuidade na ‘ordem natural das coisas’. A
escala e a centralização de capital necessárias a esse salto estrutural da
economia não se condensam espontaneamente em um país pobre. Num
mercado mundial já dominado por grandes corporações monopolistas nessa área e
em outras, esse passo, ou melhor, essa ruptura, seria inconcebível sem forte
intervenção estatal no processo.
Do
mesmo modo, sem um banco de desenvolvimento como o BNDES, demonizado pelo
conservadorismo, a indústria e a economia como um todo ficariam comprometidos
pela ausência de um sistema financeiro de longo prazo, compatível com projetos
de maior fôlego. Do ponto de vista conservador, o financiamento indutor
do Estado, a exemplo do protecionismo tarifário à indústria nascente
–implícito nas exigências de conteúdo nacional no pré-sal-- apenas
semeiam distorções de preços e ineficiência no conjunto da economia. É
melhor baixar as tarifas drasticamente; deixar aos mercados a decisão
sobre quem subsistirá e quem perecerá para ceder lugar às
importações. O corolário dessa visão foi o ciclo de governos do
PSDB, quando se privatizou, desregulou e se reduziu barreiras à entrada e
saída de capitais. A Petrobrás resistiu. Em 1997, até um novo
batismo fora providenciado para lubrificar a operação de fatiamento e venda dos
seus ativos aos pedaços. Não seu.
Dez
anos depois, em 2007, essa resistência ganharia um fortificante ainda mais
indigesto aos estômagos conservadores, com a descoberta e regulação soberana
das reservas do pré –sal. Num certo sentido, a arquitetura de exploração
do pré-sal avança um novo degrau na história da industrialização
brasileira. Mais que isso, esboça um modelo. Se a empresa
privada nacional não tem escala, nem capacidade tecnológica para suprir
as demandas do desenvolvimento, uma estatal pode –como o faz a Petrobras
- instituir prazos e definir garantias de compra que de certa forma
tutelem a iniciativa privada deficiente. Dando-lhe encomendas
para se credenciar ao novo ciclo de expansão do país –e até mesmo operar
em escala global, inserindo-se nas grandes cadeias da indústria
petroleira. A outra alternativa seria bombear a receita
petroleira diretamente para fora do país, vendendo o óleo bruto.
E
renunciar assim aos múltiplos de bilhões de dólares de royalties que vão irrigar
o fundo do pré-sal e com ele a educação pública das futuras gerações de
crianças e jovens do Brasil.
Ou
então vazar impulsos industrializantes para encomendas no exterior , sem
expandir polos tecnológicos, sem engatar cadeias de equipamentos, nem elevar
índices de nacionalização em benefício de empregos e receitas locais. A
paralisia atual da industrialização brasileira é um problema real
que afeta todo o tecido econômico.
Asfixiada
durante três décadas pelo câmbio valorizado e pela concorrência chinesa, a
indústria brasileira de transformação perdeu elos importante, em diferentes
cadeias de fornecimento de insumos e implementos.
A
atrofia é progressiva. O PIB cresceu em média 2,8% entre 1980 e 2010; a
indústria da transformação cresceu apenas 1,6%, em média. Sua fatia nas
exportações recuou de 53%, entre 2001-2005, para 47%, entre 2006-2010 . O
mais preocupante é o recheio disso. Linhas e fábricas inteiras foram fechadas.
Clientes passaram a se abastecer no exterior. Fornecedores se transformaram em
importadores. Empregos industriais foram eliminados; o padrão salarial do
país foi afetado, para pior. É possível interromper essa sangria, com
juros subsidiados, incentivos, desonerações, protecionismo e ajuste do câmbio,
como está sendo feito pelo governo. Mas é muito difícil reverter buracos
consolidados. O dinamismo que se perdeu teria que ser substituído por um
gigantesco esforço de inovação e redesenho fabril, a um custo que um país em
desenvolvimento dificilmente poderia arcar. Exceto se tivesse em seu
horizonte a exploração centralizada e soberana, e o refino correspondente, das
maiores jazidas de petróleo descobertas no século 21. Esse trunfo avaliza
a possibilidade de se colocar a reindustrialização como uma
resposta política do Estado brasileiro à crise mundial. Nada
disso pode ser feito sem a Petrobrás. Tirá-la do campo em que
se decide o futuro do Brasil: esse é o jogo pesado que está em curso no país.
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