Apesar de você a primavera sempre chega II





Continuando a narrativa deprimente sobre o tal caudilho deprimente, o meu velho amigo mais velho ainda trás à tona outros episódios de cair o queixo.

Segundo conta, fora do poder o caudilho agia como se ainda estivesse com as rédeas na mão: plantava a discórdia, semeava intrigas, incendiava ânimos, relembrava feitos que nunca fez, usava o nome dos humildes em favor dos seus intentos particulares e da vontade incontrolável de manter viva sua história de horrores e desmandos que a maioria queria esquecer.

Sem o menor pudor, negociava a indicação de parentes para postos conquistados coletivamente pelo grupo político majoritariamente sério e honrado de que fazia parte – de parentes sabidamente incompetentes e, assim como ele, picados pela mosca da empáfia, da falsidade e da intriga. Sem o menor pudor, se deslocava de sua cidade até as esferas mais altas de poder, servir-se de velhas relações de compadresco, para pedir indevidamente em nome de seus companheiros a indicação de filhos, genros e demais familiares para cargos existentes em repartições desses governos na terra que vivia. Uma piada que o fazia sentir orgulho do quão influente e pródigo com sua prole ele era!

Nos palanques e espaços públicos clamava por justiça, liberdade, igualdade, fraternidade, democracia. Mas no seu íntimo agia em favor de si mesmo, dos seus e de tantos que aceitassem usar sua canga sem reclamar e que, além disso, estivessem dispostos a aplaudi-lo permanentemente, mesmo sem razões concretas para tal. Nos bastidores da política tramava o ódio, a maledicência, a desmoralização dos opositores, tratados como opositores eternos e indesejáveis. Disseminava o culto a si mesmo e insuflava a mobilização de esforços, muitas vezes generosos e incautos, na reconquista do poder pelo poder.

Narra meu amigo, finalmente, que o caudilho morreu e que antes de morrer ainda foi condenado por uma pequena parte de seus atos tresloucados na vida pública. Morreu, mas não aceitou a própria morte. Morreu mas continuou vivo na forma de fantasma, um fantasma nada camarada, cuja única tarefa e utilidade seria agir nas sombras para impedir que as relações políticas e humanas fossem renovadas e a primavera chegasse à terra arrasada que deixou.

Esse meu amigo e suas histórias de caudilhos... Será verdade ou tudo não passa de mera imaginação? Quem viveu viu, quem vive vê. O certo é que apesar dos caudilhos a primavera sempre chega. O certo é que os caudilhos sempre perdem lugar para o correr da vida e o perfume das flores, ainda que resistam muito ou queiram transferir sua herança para algum fiel seguidor. Quase sempre alguém tão jovem e tão velho ao mesmo tempo e, assim como o grande caudilho, uma figura indigesta, sem escrúpulos e deprimente.


Qualquer semelhança é mera coincidência!




Comentários

hervalense disse…
Boa noite, Toninho. Permita que eu comente fazendo uma análise de tudo que escrevestes. Antes de mais nada queria que soubesses que concordo com a maioria das coisas que escrevestes. Mas acho que exageras em alguns pontos usando de teu preparo e leitura acima da média de nossa população para influenciar em uma eleição. Acho que não estás agindo de acordo com a grandeza que se espera de uma pessoa com o teu preparo.
Toninho Veleda disse…
Agradeço o comentário, mas se trata de uma estória. Ou você conhece esses personagens na vida real? Se é real não a exagero, já que o exagero anda sempre pelo lado da mentira. Quanto a influenciar o resultado de uma eleição acho que esse sim é um exagero, numa democracia ninguém tem esse poder. Sigo a minha consciência e escrevo de acordo com as minhas convicções como sempre fiz (mesmo quando me reporto a um mundo imaginário) e o voto é uma escolha pessoal e intransferível. Além disso, numa terra não muito distante daqui existe uma rádio que só mostra um lado da história, será que isso não "influencia" o resultado de uma eleição?
hervalense disse…
Toninho, quanto a questão da rádio que tu te referes eu concordo totalmente, por ser uma crítica pontual. Sobre a eleição, acho sim que a opinião de determinadas pessoas influencia e isso acarreta uma grande responsabilidade. Concordo com a tua crítica quanto a cargos e benefícios para parentes, mas não concordas que os mesmos princípios que repudiam esse comportamento deveriam repudiar os cargos da esposa e do sobrinho do prefeito atual?
Toninho Veleda disse…
Boa lembrança, mas sem entrar no mérito do assunto penso se tratar de questões com pouca ou nenhuma conexão. Em primeiro lugar, nunca se criticou o fato da antiga primeira-dama ocupar cargo no governo. Me parece que não há ilegalidade nem imoralidade nessa escolha. O que sempre se criticou foram as contratações de parentes que contrariam a lei ou a moralidade, e os exemplos desse episódio foram muitos (filhas, genros etc.) e continuam a existir agora em outros espaços ocupados pelo partidão. Quanto ao outro caso, se há algo de ilegal ou imoral existem pessoas e instrumentos mais capazes que eu para julgar. Até porque nada nem ninguém é perfeito. Nunca disse que o governo em curso é perfeito. O que disse e digo sem medo de errar é que ele acerta muita mais do que erra e fez muito mais coisas para o bem do Herval do que os últimos governos somados. Erros e problemas existem, mas a panelinha e a mamata de antes acabaram!
hervalense disse…
Eu concordo contigo em relação as panelinhas e mamatas de parentes do rei em detrimento de oportunidades a pessoas competentes para determinadas áreas. Como também fica entendido teu pensamento quanto ao "outro caso". Quanto as realizações da administração atual, creio que a principal seja o exemplo deixado em relação ao gerenciamento e seriedade no trato da maquina pública e também a competência na captação de recursos, sendo este um elogio pessoal a tua participação no governo. Mas, mesmo assim, eu consigo enxergar muitas vitórias e conquistas da população alcançadas em governos anteriores.

Postagens mais visitadas deste blog

Todos contra o Herval que dá certo?

Responsabilidade com a saúde

Um ano de sucesso e vontade de fazer ainda mais!