Ato político



"Ato Político" de hoje nos convida a refletir sobre a corrupção sob um invés pouco explorado ou convenientemente escondido. Apertem os cintos e boa leitura...



Punição às empresas corruptoras, por Carlos Zarattini


Nas recorrentes denúncias de corrupção que há décadas afloram no noticiário, surgem diariamente nomes de funcionários públicos e políticos, mas pouco se fala das empresas corruptoras.

Na base do processo, costumeiramente há os milionários interesses empresariais na disputa por contratos em todas as esferas e níveis da administração pública – municipal, estadual e federal – que, na ausência de uma legislação rigorosa, atuam impunes com práticas condenáveis. É hora de a sociedade dar um basta a essa situação, e o Congresso Nacional tem um papel histórico a cumprir, para a vigência dos valores éticos nas relações entre o público e o privado no país.

O Projeto de Lei nº 6.826/2010, encaminhado ao Congresso pelo presidente Lula, visa preencher as lacunas existentes na responsabilização de pessoas jurídicas em atos contra a administração pública nacional e estrangeira, em especial os atos de corrupção. Tem uma abrangência maior e prevê punições mais graves do que as previstas na Lei de Licitações. Permite também punir a ação de corrupção em relação à fiscalização tributária, ao sistema bancário público e às agências reguladoras.

Vários países do mundo já dispõem de legislações que contemplam a responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção, como EUA (1977), Espanha (1995), França (2000), Itália (2001), Chile (2009), Reino Unido (2010). O Brasil obrigou-se a punir de forma efetiva as empresas corruptoras a partir da ratificação de Convenções Internacionais (ONU, OEA e OCDE). Sem legislação nacional, no entanto, não é possível a punição de empresas brasileiras que atuem irregularmente no exterior.

O PL prevê a responsabilização objetiva das empresas ao afastar a discussão sobre o dolo ou a culpa da pessoa física na prática da infração. Elimina-se a necessidade de identificação da autoria da conduta, com as dificuldades inerentes de comprovação dos elementos subjetivos envolvidos na caracterização do ilícito. A pessoa jurídica será responsabilizada uma vez comprovados o fato, o resultado e o nexo causal entre eles, o que não exclui a eventual responsabilização da pessoa física em processo apartado. Esse modelo é amplamente empregado no sistema jurídico brasileiro (Código de Defesa do Consumidor, Lei Ambiental, Lei do Cade etc.)

É adotada ênfase na responsabilização administrativa e civil porque esses processos, sem prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, têm se revelado muito mais céleres e efetivos no combate à corrupção.

O PL estabelece sanções de caráter pecuniário (multa) e não pecuniário (proibição de contratar com o poder público, por exemplo). Busca-se a repressão do ato ilícito praticado, mas também evitar sua repetição. As sanções previstas para responsabilização judicial da pessoa jurídica têm o propósito de complementar as aplicadas na esfera administrativa. Inclui penalidades mais graves, indo até a extinção compulsória da pessoa jurídica.

A implantação pelas empresas de normas de controle interno e de ética empresarial é incentivada pelo projeto, visto que sua adoção atenuará as penalidades adotadas.

A Comissão Especial que analisa o PL, da qual sou relator, já está funcionando e realizando audiências públicas para ouvir a opinião de empresários, juristas e órgãos de controle. Vamos fazer um estudo das legislações implementadas em outros países com o objetivo de adotar uma legislação moderna que garanta não apenas a inserção plena do Brasil no panorama internacional, mas principalmente o combate a empresas que se utilizam de artifícios não republicanos para obter favores.

Há uma tendência, alimentada pela mídia, de dizer que todos os males resumem-se ao setor público, mas a verdade é que segmentos da iniciativa privada estão inextricavelmente ligados à prática de desvios de recursos públicos e superfaturamento, seja no Brasil seja em democracias já consolidadas. Há diferentes denúncias de escândalos envolvendo empresas e setor público no Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha. A diferença é o tratamento que se dá a cada caso, com multas milionárias e legislação rigorosa.

No Reino Unido, acaba de entrar em vigor uma lei que fecha o cerco à corrupção corporativa, chamada UK Bribery Act, que transforma em crime o pagamento de propina, inclusive entre empresas privadas.

A cultura da corrupção que assola o Brasil há décadas acaba impregnando o imaginário da população, dificultando a prática da cidadania e, por extensão, a própria governabilidade. A punição aos corruptores é da maior atualidade na medida em que casos de corrupção envolvendo relações promíscuas entre representantes do setor privado e do setor público comprometem a idoneidade do processo decisório.

Mas não nos enganemos. Para que esse projeto avance e se transforme em lei é fundamental que a opinião pública se manifeste e apoie sua aprovação. Um processo democrático de organização de políticas públicas exige a participação de todos os setores da sociedade.


Carlos Zarattini é deputado federal PT-SP
(Artigo publicado originalmente na revista Teoria & Debate nº 96 / Janeiro de 2012)


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