Filosofando...


Trago à luz pública trechos de uma "carta pedagógica" que escrevi a um grande orientador e saudoso amigo, no ano de 2005:


Sempre gostei de diferenciar pensamento crítico de pensamento revolucionário. Para mim, todo pensamento revolucionário é crítico, mas nem todo o pensamento crítico é revolucionário.
Esta diferenciação é fundamental para compreendermos as mazelas que andam pelos corredores do poder e da disputa pelo poder. Há pouco defendíamos que o nosso grupo era o mais forte, não por ser o mais numeroso ou o mais honesto, mas porque reunia as melhores condições de analisar criticamente o desenrolar das coisas e de oferecer respostas coerentes e consistentes para solucionar os problemas que dizíamos inquietar o povo do Herval. Este reconhecimento das nossas virtudes é importante, apesar dos ventos terem mudado, e o esforço agora seja para que os defeitos de cada um apareçam com mais evidência. Mas partir da supervalorização da nossa força ou da subestimação da força do adversário pode ser uma arma ou uma armadilha. Pode ser um começo ou o nosso fim, se não acompanharmos com presteza seus desdobramentos.
Devemos ter um olhar crítico sobre nossos adversários e sobre nós mesmos. Mas do outro lado, nossos adversários irão sempre analisar criteriosamente nossos passos. Por isso, volto a insistir, não podemos confundir pensamento crítico com pensamento revolucionário. O pensar crítico é o que reúne força para mover as coisas do lugar, é o que tira proveito das circunstâncias para atingir seus objetivos, que nem sempre são virtuosos. Já o pensamento revolucionário é revolucionário porque procura mudar a ordem das coisas, não em proveito próprio, mas em prol das mudanças no conjunto da sociedade, respeitados os limites da sua época e lugar. Quando subestimamos a força do adversário, quando achamos que somos capazes de ver coisas que ninguém mais vê, ou fazer jogadas que ninguém mais faz, corremos o risco de enfeitar tanto o lance, a ponto de o adversário tomar a bola dos nossos pés, sem precisar cometer nenhuma “falta”.
Essa é a pedra que devemos carregar permanentemente em nossos sapatos, ainda mais aqui, no “olho do furacão”. Nossa presença no ambiente institucional, por si só, não é suficiente para mudar o estado das coisas, por mais qualidades que tenhamos. Temos a responsabilidade de distinguir claramente nossos alvos dos nossos obstáculos, pois dispersar-lhes o mesmo tratamento representaria um grave desperdício de munição. Nossos alvos são para ser atingidos enquanto que os obstáculos são para ser transpostos, e muito mais que constatar o óbvio, aqui pode estar uma importante contribuição ao nosso debate. Temos também a responsabilidade de medir a nossa força e a força dos adversários que, muitas vezes, fingem vestir a “nossa camisa”. Essas forças se manifestam com mais nitidez aqui, mas antes de tudo, são à expressão das relações hoje estabelecidas na nossa sociedade.
Não, não é difícil usar os rigores da lei para tentar impor uma punição aos corruptos e corruptores. O difícil é mudar as relações que produzem a corrupção. Qual é mesmo a repercussão de uma briga sem trégua contra a sem-vergonhice quando estamos em desvantagem na institucionalidade e, principalmente na sociedade? Aqui é possível construir alguns acordos tirando proveito dos interesses imediatos, de uns e outros que procuram manter, ampliar ou recuperar seu poder de influência. Mas qual é o nosso poder de “barganha” na sociedade, objetivando a sua reinvenção? Com a força que nós temos atualmente, apontar a sujeirada de hoje significa inaugurar um tempo de purificação na administração pública, ou apenas abrir caminho para que a sujeirada de ontem caia no esquecimento, e acabe voltando por cima da carne seca?
Não estou sugerindo que devemos varrer a sujeira pra debaixo do tapete. A questão é: como fazer de nossas brigas um momento inseparável de denúncia e anúncio? O que fazer para ir limpando a sujeira e, ao mesmo tempo, ser capaz de edificar estruturas e relações claras e cristalinas em seu lugar? Como matar a cobra, mostrar o pau e ganhar a adesão crescente dos oprimidos da nossa sociedade? Não se trata, portanto, de querer avançar mais e mais passos no terreno institucional, mas de caminhar rumo à conquista da nossa hegemonia na sociedade. De que nos adianta contar com os melhores “professores” se não tivermos “alunos” matriculados em nossa “escola”? Por isso, é fundamental não botar a perder o pouco que conseguimos juntar, por precipitação ou imperícia.
Penso que os “temas” não podem ser tratados no ambiente institucional da mesma forma que poderiam ou deveriam ser abordados nos ambientes eminentemente pedagógicos. Há temas, há formas ou momentos de abordá-los que nos fazem perder tempo e espaço no embate eminentemente político. Aqui os temas e as tramas tendem a adquirir novos contornos e a escapar demasiadamente do nosso “controle”, podendo se voltar violentamente contra nós. E as partidas perdidas no campo institucional podem forçar o recuo de todo o nosso time; inclusive dos que disputam o jogo em outros gramados.
Acho que pela primeira vez em minha vida estou tendo a oportunidade de caminhar com os pés no chão e nem por isso deixarei de perseguir o brilho distante das estrelas. É o que penso. Poderia acrescentar muitas outras coisas, mas acredito que estas palavras já estão de bom tamanho para inaugurar nossa reflexão. Conversaremos.

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