Ato político



Leitura mais que obrigatória nesses tempos de estupidez galopante, indicação de caminhos que nos levam cada vez mais ao passado e invocação de heróis que nunca passaram de vilões...




A ditadura corrupta

 

O sabido está cada vez mais documentado. Era certo que quando os documentos sigilosos dos Estados Unidos sobre a ditadura brasileira viessem à tona o regime dos militares ficaria nu em praça pública. Todo pesquisador sabe que a corrupção correu solta durante os 25 anos da “democracia” fardada com suas eleições presidenciais de mentirinha e suas manipulações de verdade para garantir os interesses de poucos e o silêncio de muitos. Agora que os americanos estão liberando a papelada todo dia tem novidades sobre tortura, execuções de inimigos políticos e roubalheira. A imagem do ditador Ernesto Geisel já era. Até Rede Globo, cria do regime, já trata Geisel com a devida verdade.
Um telegrama secreto de 1984, com quatro páginas, remetido pelos espiões estadunidenses, disfarçados de burocratas, a Washington revela a corrupção nos tempos de João Figueiredo, aquele general que preferia cheiro de cavalo ao de gente, e enfia o todo-poderoso Delfim Neto na lama. O documento fala em “jeitinho” brasileiro. Jeitinho de quê? De roubar. Delfim Neto é citado como coletor de propina na condição de embaixador em Paris. O texto expunha as entranhas da brasilidade de coturno: “Entre muitos oficiais, dos mais baixos aos mais altos, há uma forte crença que os últimos 20 anos no poder corromperam os militares, especialmente o alto comando e que agora é hora de deixar a política e suas intempéries e voltar a ser soldado”. Precisa mais? A ditadura é uma chaga que só os simplórios defendem.
Se precisar, tem. O documento avalia: “O que está claro é que a corrupção, real ou imaginária, está erodindo a confiança dos brasileiros em seu governo”. São 694 informes capazes de acabar com todas as ilusões sobre um tempo de tranquilidade, segurança e honestidade. A censura impedia que os casos mais escabrosos fossem noticiados. Havia nepotismo, propina e favorecimento ilícito a amigos da casa. O historiador Carlos Fico já havia tratado disso com solidez em “Como eles agiam”. Nada, porém, como uma enxurrada de dados liberada pelos aliados de golpe para afogar narrativas ingênua ou maliciosas. Na ditadura, roubou-se como sempre e enganou-se como nunca. Delfim Neto foi acusado de praticar um esporte nacional: intermediar negócios entre banco privados e estatais brasileiras.
Ela arranjou uma boa desculpa: conversa de malandros americanos para encher relatórios e enganar os chefes nos Estados Unidos. O pessoal ficaria de papo para o ar ao sol de Copacabana e contaria lorotas para mostrar serviço. A operação para abafar a corrupção aconteceu também nos governos dos ditadores gaúchos Médici e Geisel. Documentos vindos da Inglaterra entregam o jogo. Os britânicos queriam ajudar o Brasil a pegar gatunos. A ditadura optou pela “discrição”. Era o caso de superfaturamento numa compra de fragatas. Os mitos sempre morrem. Eles enfrentam um roedor implacável chamado História. Nada fica em pé. Salvo a vontade de alguns de conservar as mentiras. Ter vivido na época de um acontecimento não quer dizer muito. Pode-se viver e não saber por ignorância, ideologia ou desinteresse. Historiadores não sabem por ter vivido, mas por ter pesquisado. Beneficiam-se do distanciamento para ver melhor.
Vem mais por aí. Na conta de Ernesto Geisel já está debitado: mandou matar e abafar casos de corrupção. Eis a ditadura estraçalhada. Não a ditadura corrompida. Ditadura corrupta.

Por Juremir Machado da Silva

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