Ato político
O contrário da política é a guerra, o confronto violento, a cacicagem, a
manipulação, a negociata com aquilo que é público. Portanto, aqueles que
acreditam que os problemas e desafios do Brasil serão superados com a ausência
ou criminalização da política, estão dando um tiro no pé e fazendo o jogo
político dos fantasmas do passado que sempre afastaram o povo do palco das
decisões políticas.
Ou seja, ao invés de propor e formular caminhos para uma política
melhor, mais palatável e palpável por todos, apostam na política de colocar
todos no mesmo saco. Ao invés de jogar no time dos que lutam para aperfeiçoar
as regras do jogo político, pura e simplesmente lavam as mãos ou chutam o pau da
barraca. Algo que só não é inútil porque reforça o jogo sujo das velhas raposas
que sempre fizeram da alienação política ou da despolitização sua principal
arma e estratégia para manter, ampliar ou recuperar seus espaços na luta pelo
poder.
Temos muitos problemas ou desvios políticos, como em todos os segmentos
da sociedade, mas estes não serão resolvidos com moralismos ou revolta. Os problemas
da política no país não se resumem a má índole da maioria dos políticos, como
bradam alguns. Para avançar na política é preciso descruzar os braços, deixar
as simplificações de lado, estar atento para não morder iscas e engrossar o
coro daqueles que pedem e trabalham por uma reforma política urgente, séria e
profunda. Nosso sistema político é anacrônico e carcomido. Como diz Rui Falcão,
presidente nacional do PT, “o Brasil passa por uma profunda transformação
social, mas estagnou politicamente, é como um corpo novo numa alma velha”.
Além disso, é preciso não cair na onda de ódio contra a política e as instituições democráticas que
vem sendo disseminada pelas vozes do autoritarismo e do retrocesso. Façamos
parte do time que faz política para mudar as regras da política e melhorar a
vida das pessoas, pois quando a política falha ou se afasta, no lugar da
diplomacia e do diálogo, o ser humano precisa resolver as diferenças e disputas
de interesses armadas com pedras e paus nas mãos, como nos velhos tempos das
cavernas, onde prevalecia a política do mais forte. E só!
É nesse contexto que se insere a análise lúcida e certeira do governador Tarso Genro.
Das
advertências que vem de lá
Tarso
Genro
No
Brasil, hoje, o que está sendo preparado pela grande mídia e pela direita, que
é beneficiária conjuntural das suas manipulações, é a intolerância.
O colunista Arnaldo Jabor no jornal
Estado de São Paulo (06.05), termina uma coluna política da sua lavra,
com o seguinte apelo: "O Brasil está sofrendo uma mutação gravíssima e
nossas cabeças também. É preciso tirar do poder esses caras que se julgam 'sujeitos
da história'. Até que são mesmo, só que de uma história suja e
calamitosa". Este texto foi publicado no curso de uma campanha da mídia
tradicional, não somente contra o governo da Presidenta Dilma, mas já combinada
com uma campanha contra o Estado e contra os partidos em geral, especialmente
contra tudo que cheira esquerda.
Esta cruzada já está contaminando,
igualmente, a suposta isenção da cobertura eleitoral, bem como a
importância das eleições presidenciais. Já festejam que quase 70% dos
eleitores não gostariam de votar em 2014. De outra parte, a campanha contra
Petrobrás e a favor de uma CPI, como se esta tivesse interesse em investigar
corrupção e ilegalidades - de resto já sob análise do MP e da Polícia Federal -
alcançou um paroxismo inédito.
Não há mais noticiário político, nas
televisões, com um mínimo de equilíbrio. Aliás, os informativos
tratam, principalmente, de crimes (assassinatos em especial), incêndios de
ônibus nas grandes capitais; tratam de deficiências na prestação dos serviços públicos
(com fatos singulares, como se fossem característicos das prestações dos
serviços estatais); tratam de pequenas e grandes corrupções, com
acompanhamento (para humilhar) do cumprimento da pena do ex-Ministro José
Dirceu (já privilegiando a visita da sua filha!); tratam da impropriedade
do BNDES subsidiar investimentos que promovem empregos.
Certamente o fazem para que
esqueçamos um fato já notório, atestado por juristas insuspeitos: Dirceu e
Genoíno foram condenados sem provas, depois uma formidável pressão, promovida
para desgastar a memória positiva, no meio popular, dos governos do
Presidente Lula.
Nem tudo que é publicado é inverdade ou
manipulação. Inclusive sobre a esquerda em geral e sobre o próprio partido que
pertenço, como se vê de casos recentes. Mas a grande mensagem que está sendo
passada, de forma abrangente e totalitária não é, na verdade, destinada a
criticar o sistema político, melhorar a vida interna e os procedimentos dos
partidos ou mesmo as instituições públicas do Estado. A grande mensagem é outra
e a questão de fundo está contida no texto de Jabor, que diz com todas as
letras: "O Brasil está sofrendo mutação gravíssima e as nossas cabeças
também."
À medida que é dado tratamento
distorcido ao Governo - seus problemas e suas conquistas -, à medida que
não se contrastam os problemas econômicos e financeiros do país com o cenário
da crise global; à medida que é promovida uma propaganda massiva do
privatismo e do antiestatismo - relativizando ou deixando de lado todas as
incompetências e corrupções do polo neoliberal, desde a crise da água em
São Paulo até o "mensalão mineiro"; à medida que se omite que a
corrupção aparece mais, porque os nossos Governos instituíram a
Controladoria da União e aparelharam os demais órgãos de controle e a própria
Polícia Federal; à medida que se coloca como regra que os políticos
e os partidos, em geral, são ineficientes e corruptos, o que está
se tratando, meticulosamente, é de promover uma disputa de fundo sobre o futuro.
Esta "mutação gravíssima" do Brasil e das "nossas cabeças",
como disse Jabor, vai para que direção? É isso que está em disputa e das suas
respostas vai ser instituída uma democracia mais, ou menos substantiva, mais,
ou menos receptiva das desigualdades brutais que o nosso país ainda
mantém.
Como as políticas de desenvolvimento e
as políticas de redistribuição de renda promoveram a redução das
diferenças, internamente ao mundo trabalho - diminuindo os espaços entre
os assalariados de baixa e alta renda -mas não atingiram as desigualdades que
ocorrem na apropriação desigual entre capital e trabalho (para
reduzir a diferença entre a "renda do capital" e "renda do
trabalho"), fica claro que o Brasil, para avançar com mais estabilidade,
terá de enfrentar agora um outro conflito: entre a totalidade dos assalariados
que querem mais renda e mais Estado social, de um lado e, de outro, o grande
capital quer mais "renda", através do sistema financeiro privado, e
menos Estado social, com redução dos gastos públicos especialmente na área
social.
O artigo de José Luís Fiori, "A
miragem mexicana", (Carta Maior, 01.05.14) faz uma síntese perfeita do que
está em disputa entre as grandes correntes políticas que incidem sobre as
eleições de 2014. A saber, entre os entusiastas do modelo mexicano, de
corte liberal não-intervencionista (depreciadores da capacidade regulatória do
Estado) e os que entendem que a capacidade regulatória do Estado pode criar uma
sociedade mais coesa ( corrente neo-keinesianista social-democrata), própria
para atenuar as brutalidades do capitalismo e abrir à sociedade, perspectivas
de emancipação social.
Ressalto esta contradição porque é
voluntarista entender, hoje, que o debate principal no país é entre
socialistas e não socialistas. Esta análise gera divisões artificiais no campo
popular e democrático, já que o debate real foi bem colocado e com
intenções muito claras pelo estrategista Jabor: a mutação gravíssima das
"nossas cabeças" embarcará na tolerância do caminho aberto da
"tradição da dúvida" - como diz Maria Rita Khel -, ou se
fixará na a "tradição da certeza".
Ficará com esta visão do caminho único,
defendida pelo estrategista Jabor, que querem nos impingir (de mais
desigualdades, guerras e intolerância), ou se abrirá para o caminho da
utopia democrática, que contém o socialismo ( não como repartidor de
carências) como democracia realizada no seu sentido pleno.
Na verdade, lamentavelmente, a História
tem sido sempre "suja e calamitosa" e ela revela, em todos os
campos políticos, não somente as imperfeições humanas, mas também as grandezas,
as escolhas morais, as capacidades dos indivíduos se posicionarem nos grandes
conflitos sociais e econômicos, de um lado ou de outro. Mas ela também revela a
capacidade de cada um escolher o seu desempenho ético, naquilo que Lukács
designou como "centralidade ontológica do presente".
No Brasil, hoje, o que está sendo
preparado pela grande mídia e pela direita - que é beneficiária conjuntural das
suas manipulações - é a intolerância, não somente com os movimentos
sociais, com os comunistas ou com o PT, mas sobretudo com a democracia e
com as instituições republicanas. Como disse, recentemente, aqui no meu Rio
Grande, o líder empresarial Jorge Gerdau, um dos homens mais ricos do
mundo: "Os gaúchos estão felizes, mas por acomodação" (Zero Hora 04.
05). Se o texto não foi editado para prejudicar o entrevistado, o que parece
improvável pelo posicionamento político tradicional do referido jornal,
Gerdau quer dizer que aqueles que não forem ricos como ele, não tem
direito à felicidade dentro da democracia. Mesmo que seja num momento de pleno
emprego e de funcionamento razoável do Estado Democrático de Direito.
(*) Governador do Rio Grande do Sul
Artigo publicado na Carta Maior
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