Sem dono e com responsabilidade
Tenho reparado que alguns candidatos e
candidatas mais experientes, no afã de atacar apoiadores ou concorrentes
novatos do lado adversário, usam o argumento de que já foram eleitos em pleitos
anteriores, como se isso os tornasse seres superiores ou fosse sinônimo de um
preparo político maior. Ou seja, querem silenciar oponentes com o argumento
frágil e arrogante de que só teria direito de se manifestar publicamente ou se
submeter às urnas quem “possui voz na sociedade”. Um gesto descabido e pouco
inteligente, até porque Collor, Maluf, Arruda e outros tantos trastes também
foram eleitos pelo voto direto e isso não fez deles melhores nem permite que
sirvam como exemplo de boas práticas na vida pública. Antes o contrário.
Numa democracia nem sempre se elegem os melhores sob o ponto de vista
humano ou os mais preparados para o desempenho das tarefas árduas da vida
pública. Temos ótimos representantes em todas as esferas de poder, mas o
sistema político vigente no país favorece justamente a eleição dos mais débeis
politicamente ou dos mais adaptáveis a esse sistema, no lugar daqueles que
poderiam dar uma contribuição maior e mais profunda para dignificar a vida
pública e melhorar a vida das pessoas. Pela regra atual, é mais fácil alguém se
eleger prometendo reservar parte do subsídio a que faz juz para pagar cervejadas
aos amigos do que se comprometendo a cumprir aquilo que é função do
parlamentar. Ou seja, fazer leis, aproximar a política do cotidiano das
pessoas e fiscalizar os atos do Poder Executivo, sem ranços ou denuncismos.
Fui candidato a vereança na última eleição e não me elegi por detalhe,
sendo diplomado pela Justiça Eleitoral como suplente da minha legenda. Mas mais
importante que qualquer diploma é meu orgulho de ter feito uma campanha com
pouco barulho e muitas propostas palpáveis; sem ataques pessoais, sem medo do
contraditório, sem vender gato por lebre, sem comprar a consciência de ninguém,
sem ficar atrelado a nenhum poder político ou econômico. Talvez se tivesse pego
alguma carona ou seguido por um atalho teria sido eleito. Mas é preferível não
se eleger e seguir de alma aberta e corpo liberto, do que chegar lá e não ter
boca pra nada ou ter um desempenho tão pífio que obrigue a usar o argumento
chinfrim de já ter sido vitorioso nas urnas para defender a continuidade do
trabalho ou fustigar o adversário. Eleito como? Pra quê? A que preço?
Não quero dizer que os antigos não mereçam um novo voto de confiança.
Nada disso! Estou me referindo tão somente às ditas ou ditos cujos que agora
sobem nos palanques e, na falta de uma ideia mais lúcida e consistente para
colocar seu nome em evidência, servem-se dessa pérola da soberba e do
preconceito de que seriam os tais porque já passaram no teste das urnas
enquanto os outros que não passaram nesse teste não tem nenhum valor ou
significação para o mundo da política. Pior ainda, quando dizem isso e invocam
a democracia. Mas democracia não significa direitos iguais para todos,
inclusive de dizer sua palavra? Eleição não é a festa maior da democracia?
Esquecem-se ainda que democracia é o momento de promover a dança das cadeiras e
os preferidos de ontem podem ser os grandes derrotados no presente.
Quem decide é o povo e cada um é livre para escolher livremente seus
representantes. A história de vida dos postulantes a um cargo eletivo é
importante, e ainda mais importante é o projeto político que defendem.
Portanto, essa conversa de querer calar as vozes dissonantes evocando os votos
do passado não diz nada nem tá com nada. Na verdade, isso demonstra apenas o
vazio que representam e o quanto perderam o trem da história. Cuidado os
candidatos que querem ganhar no grito para não cair um baita tombo e cuidado os
eleitores menos avisados para não cair em nenhuma aventura, perdendo a chance
de escolher um representante à altura dos desafios do presente e do futuro,
capaz de cumprir bem o papel representativo, dentro e fora dos limites do
município.
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