Quando a liberdade vira onda de insensatez ou coisa pior




Alguns agora levantam a bandeira da liberdade de expressão para defender uma causa sem voz, sem forma, sem conteúdo. Até aí tudo bem, pois a miséria cultural e política é algo que não para de bombar. Até aí tudo bem, afinal o preço da democracia é que verdadeiros atentados ao bom senso e à própria liberdade são cometidos a cada segundo justamente em nome dos princípios democráticos e da livre manifestação.

O que me parece grave nesse episódio é exatamente o segundo ponto que menciono. Ou seja, em nome de uma dita liberdade não se vai além de palavras barulhentas e sem sentido jogadas ao vento. E mais grave ainda, em nome da liberdade negar aos que se recusam navegar nessa onda o direito legítimo e democrático de discordar ou apresentar seu ponto de vista. Trocando em miúdos, os ditos defensores da liberdade de expressão defendem uma liberdade apenas para si e aqueles que ousarem manifestar um pensamento diferente deverão ser hostilizados ou agredidos. Algo típico de uma democracia ainda frágil e de uma rebeldia sem noção e sem limites.

Pior ainda quando pessoas pretensamente lúcidas aplaudem cegamente essa agressão gratuita ao direito à liberdade do outro, sem perceber que podem estar criando um monstro ou incentivando a volta de um tempo de intolerância que precisa ficar para trás. É bonito defender uma causa, uma cor, um nome. Mas muito mais bonito é saber defender suas convicções dentro das regras do jogo democrático, sem baixarias, provocações ou agressões que revelam tão somente estupidez, violência e o vazio que defendem. Brigar por educação pública de qualidade é essencial, mas civilidade e respeito são lições que se aprende em casa.

Outra questão gravíssima é chamar de cerceamento da liberdade de expressão o direito legítimo de discordar ou contraditar uma ideia, assegurado pelo Estado Democrático de Direito vigente. Isto é, dão à discordância o nome de negação da liberdade, numa manobra típica do autoritarismo, e se colocam na condição de vítimas para poder “legitimar” suas tentativas de calar ou atropelar quem se arrisca a andar na contramão do tráfego. A continuar assim, daqui há alguns dias aqueles que ousarem dizer um ai sobre a fragilidade dessa onda vão ser linchados ou incendiados em praça pública pelo calor insano e inconsequente de mentes tão jovens e tão velhas ao mesmo tempo.

Não quero parecer melhor do que ninguém, mas poucas pessoas nesse município podem falar verdadeiramente do cerceamento da liberdade de expressão, em plena democracia, como eu mesmo. Lembro que há pouco mais de uma década quando comecei a publicar meus escritos, incentivado pela professora Fatinha e pelo saudoso amigo e mestre Osmar Hences, fui alvo de uma série de arbitrariedades e pré-conceitos, patrocinadas por um político que sempre se apresentou como defensor dos humildes, porém costuma tratar com mão de ferro os humildes que pensam diferente. O dito cujo chegou a sugerir que o Legislativo deveria me convocar para dar explicações sobre publicação com argumentos contrários a um projeto que ele havia apresentado, num gesto que extrapola as atribuições de um Poder que existe para fiscalizar os atos do Executivo, e não dos cidadãos e cidadãs.

Na época eu era colaborar do extinto jornal Meridional, comandado pela querida Mara Chafado, e as mesmas bocas grandes ainda diziam que os escritos publicados no jornal não eram obra minha, que eu não passava de um laranja. Quer dizer: se apresentam como defensores dos humildes, no entanto não admitem que o filho de um caminhoneiro e de uma mulher semianalfabeta seja competente com a escrita. Para essas mentes, pobre não pode pensar nem melhorar de vida para sempre depender de esmolas e comer na mão dos maus políticos. Isso sim é cercear a liberdade de expressão! Isso sim é tentar tolher o direito de ser livre e conquistar uma vida melhor!

Cada um é livre para fazer suas escolhas, mas enfrentar o contraditório é uma das regras mais básicas e um dos exercícios mais ricos da democracia. Cada um é livre para mergulhar no mar que achar melhor, porém quem prefere outros mares têm igualmente o direito de nadar contra a corrente. Do contrário, a liberdade que invocamos se converte numa forma de ditadura. Do contrário, as novas gerações não vão fazer muito além de repetir o passado de insensatez, devaneios e violência. Gostem ou não, vou sempre defender – e tenho a meu lado o direito – que a liberdade não deve resvalar para a libertinagem, pois o ruim sempre pode ficar pior. Esse é o jogo. Errado é o golpe baixo ou alguma tentativa de comprar o jogador para encerrar a partida.


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