Ato político
Nesses
tempos de culto cego ao senso comum e de consagração da burrice como método
científico, Juremir Machado da Silva é leitura obrigatória.
ESQUERDA E DIREITA NÃO EXISTEM MAIS?
Discurso de direita garante que não há mais esquerda nem direita
A direita adora dizer que não existe mais isso de esquerda e
direita. É uma maneira de afirmar que ganhou. As ideias da esquerda não fariam
mais sentido algum. Sem esquerda, não haveria mais direita. Apenas a verdade.
Ou seja, a direita. Só há escuro se há claro. É verdade que o conteúdo do que
significa esquerda e direita muda com o tempo. Um esquerdista e um direitista
podem ser a favor do aborto. Por outro lado, liberais tentam fugir dessa
dicotomia. Eles não seriam nem de esquerda nem de direita. Mais uma vez, seriam
apenas a constatação factual das coisas.
Ideologia é sempre o engano do outro. Cada um vê a sua ideologia
como mera manifestação técnica e pragmática da realidade. Esquerda e direita
continuam a existir. Esquerda = + Estado = busca da igualdade = defesa do
interesse da maioria. Direita = - Estado = + rentabilidade ou “liberdade” =
defesa do interesse individual ou de poucos. Resumo: a esquerda vê o Estado
como o instrumento de política pública para criar o máximo de igualdade
possível. A direita, ao contrário, aposta que se pode promover igualdade e
mudança estrutural com menos Estado. Liberais, portanto, são de direita. Como
explicar uma ditadura direitista? Simples: Estado forte em benefício de poucos.
O que caracteriza a esquerda, como se vê, não é apenas o gosto por muito
Estado, mas o uso do Estado para determinados fins. A ditadura de direita é uma
distorção perversa do liberalismo econômico assim como a de esquerda é uma
corrupção do social.
Direita e esquerda podem recorrer a Estados inchados e
repressores. Mas com focos diferentes. O resultado, nessas situações
patológicas, é o mesmo: ditaduras a serviço de poucos. A ditadura, porém, não é
o traço que define esquerda e direita. Nas democracias, esquerda e direita
caracterizam-se pelo que já foi enunciado: o uso maior ou menor que fazem do
Estado para alcançar determinado objetivo. Para a direita, o Estado deve
restringir-se aos campos da saúde, da segurança e da educação, ainda que, cada
vez mais, defenda privatização de todos esses setores. Para a esquerda, o
Estado deve ter um papel estruturante e distributivista.
A direita conservadora quer Estado interventor em comportamento e
distante em economia. Uma parte da direita, “liberal”, quer o Estado longe dos
negócios e dos costumes. A esquerda tende a defender Estado mais forte em
economia para alavancar projetos indutores de inclusão social (igualdade) e só
presente em comportamento para ajudar a combater preconceitos. A direita
continua apostando na “mão invisível” do mercado para produzir riqueza e, em
tese, até igualdade. A esquerda acha que essa mão só cuida dos próprios
interesses. A direita considera os métodos da esquerda falidos. A esquerda
denuncia a falácia da narrativa da direita.
Se no imaginário de certa esquerda o horizonte ainda é o comunismo
e se a direita só vê a esquerda por esse ângulo, existe uma esquerda
democrática, socialdemocrata, que se diferencia da direita, vale repetir, por
seu foco na relação entre papel do Estado e igualdade. Esquerda e direita
orientam a política por quase toda parte. É só dar uma olhada. O que funciona?
Essa é outra conversa. Aqui só se fez uma constatação.
Publicado em: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/esquerda-e-direita-n%C3%A3o-existem-mais-1.334632
Comentários