Ato político
Que
país insano é esse que, por ação ou omissão, permitimos que fosse gestado e
siga crescendo mais que erva daninha?
Nunca
esqueçamos que Hitler e o nazismo ganharam vida e corpo não num país de
bárbaros, mas na rica e civilizada Alemanha.
Aqueles
que mentem para se proteger das supostas mentiras do mundo, se tornam tão mentirosos quanto os mentirosos dos quais dizem se defender. Aqueles que matam ou fazem
apologia à morte com a desculpa de livrar a pobre e boa humanidade dos assassinos,
se tornam igualmente assassinos.
Acorda
Brasil, antes que não seja mais possível acordar dessa cegueira coletiva que
nos assola.
Como
mentiras sobre a morte de Marisa buscam evitar empatia com Lula, por Leonardo
Sakamoto
”O objetivo, neste momento, é não deixar gerar
compaixão com Lula.”
A avaliação veio de um profissional que trabalha
com construção e desconstrução de reputação via redes sociais. Em condição de
anonimato, ele me explicou que é esse o objetivo de boatos que estão circulando
na rede por conta da morte de Marisa Letícia, esposa do ex-presidente.
Um dos boatos afirma que o velório seria realizado
de caixão fechado porque tudo isso era uma encenação para forjar sua morte e
possibilitar a fuga para o exterior a fim de escapar de ser julgada e presa
como consequência da Operação Lava Jato. Outras mensagens exigiam que as Forças
Armadas obrigassem a realização de teste de DNA no corpo.
Não importa a foto abaixo. Não importa que
políticos ligados a Lula ou adversários políticos fizeram visitas no hospital
antes de ser declarado o óbito. Não importa que o Sírio-Libanês seja uma
instituição com uma reputação a zelar (chegando a demitir uma de suas médicas
por vazar informações confidenciais sobre a entrada de Marisa no hospital) e
não toparia essa encenação. Não importa a multidão que compareceu ao velório
realizado em caixão aberto em São Bernardo do Campo. Não importa os jornalistas
que estavam lá para cobrir e noticiar e a profusão de fotos e de vídeos
circulando.
Se a loucura faz sentido para um grupo de pessoas
que odeia os dois, emoções é que passam a construir a realidade e fatos
tornam-se irrelevantes. É a velha burrice fundamental consagrada sob o nome pomposo
da pós-verdade.
Outra mensagem, violenta, que está circulando diz
que tudo é uma ”falácia para comover a população” porque ela não poderia doar
órgãos uma vez que teria atingido a idade limite de 70 anos. Contudo, não
existe limite de idade para doação (com exceção da córnea, outros órgãos contam
com idades-limite de referência, mas o que determina se um órgão é viável para
transplante não é a idade, mas o estado de saúde do doador) e ela tinha 66.
Obtive a confirmação de que rins, córneas e fígado haviam sido retirados para
doação.
Claro que a morte de Marisa Letícia gera comoção
junto a uma parcela da população que respeita Lula. E a situação tende a criar
empatia devido o sofrimento de Lula, que é real, e pode criar, inclusive,
desconforto a protagonistas da Lava Jato – uma vez que o próprio ex-presidente
afirmou que sua esposa morreu triste por ter sido acusada de algo que não
cometeu.
Ao longo dos últimos anos, entrevistei
profissionais contratados por políticos para construir ou desconstruir candidaturas
através de ação coordenada em redes sociais. E, ao contrário do que acredita o
senso comum, não são robôs usados para xingar tresloucadamente que causam os
maiores impactos, mas ”fazendas” de perfis falsos que parecem reais e são
administradas por anos, agindo de acordo com pesquisas comportamentais.
Daí, a avaliação do profissional com quem falei.
Essas mensagens, nascidas de malucos que atuam como atiradores solitários ou
produzidas por grupos especializados, estariam sendo bombadas artificialmente
para impedir a formação dessa empatia.
E, com isso, evitar que o longo trabalho de
desumanização feito contra Lula e o PT – que, independentemente de seus
defeitos ou crimes, é maior do que o tamanho do ódio gerado contra eles – seja
perdido.
Isso sem contar os sites que produzem boatos e
fofocas absurdos não por motivos políticos, mas sim para, através de cliques em
anúncios, ganhar dinheiro. Nas eleições presidenciais norte-americanas do ano
passado, uma cidade da Macedônia ficou famosa por produzir sites com notícias
mentirosas pró-Trump a fim de ganhar com visitas de internautas dos Estados
Unidos.
Lula é um animal político, tal como Fernando
Henrique. Ambos fazem política até dormindo, então é natural que na morte de
ambas as esposas, eles alternassem choro e política, no ombro de aliados ou
adversários. O que não é natural é imaginar que o mundo é um grande duelo do
bem contra o mal.
O ideal seria que a população não confiasse nas
mensagens de WhatsApp que não pode checar a veracidade para a formação de sua
opinião, como tenho dito, há anos, neste blog. Mas como alfabetização midiática
e informacional é algo raro, que não será realizado em massa no curto prazo, os
veículos de comunicação tradicionais de massa têm um papel importante a
cumprir, que é o de explicitar esse tipo de boato e, na medida do possível, a
quem ele interessa. Sites que desmascaram informações falsas são importantes,
mas atuam em uma escala muito pequena para esse tipo de acontecimento.
Isso deveria ocorrer, independentemente do resultado
do boato ser oportuno a quem controla o veículo ou não. Sei que isso pode
parecer utopia. Mas, agora, é com a família Silva. Amanhã, poderá ser com
qualquer outra família.
E, acreditem: a imprensa tradicional (que já está
em fase de transformação por conta das mudanças na forma de financiamento do
jornalismo na era digital) pode se tornar irrelevante diante da força das
fábricas de ”verdades alternativas” que temos por aí. Que não têm compromisso
com nada, nem ninguém.
Observação: Texto alterado para inclusão da
informação sobre a doação do fígado.
Texto reproduzido do site do deputado Henrique Fontana: www.henriquefontana.com.br
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