Ato político


O caminho mais fácil é sempre achar um único culpado para os problemas ou buscar a explicação ou o caminho mais fácil.

Dessa forma, Dilma foi eleita pelo senso comum e os golpistas de plantão como a única culpada pelos problemas econômicos enfrentados pelo Brasil a partir de 2015.

Dessa forma também, os economicistas, desde sempre burocratas, simplórios e anti-povo escolhem o combate à inflação a custas da recessão como caminho único e inevitável.

É no mínimo estranho que muita gente agora classifique como desastrosa a gestão da economia do país nos sucessivos governos petistas, sendo que por praticamente uma década nosso país prosperou como nunca em termos econômicos, se tornando umas das economias mais prósperas e sólidas do planeta, tendo como base e ponto de equilíbrio a distribuição de renda.

O fato é que desde 2008 a economia mundial enfrenta uma das mais brutais crises da história, algo que era ocultado ou mostrado superficialmente pela mídia golpista e que começou a impactar a economia brasileira nos últimos anos. Ou seja, como dizia Lula, fomos um dos últimos países e sentir os efeitos dessa crise e a política econômica então vigente de estimular a produção e o consumo interno iriam nos permitir ser um dos primeiros a sair dela.

A questão é que ao tomar posse para um segundo mandato, alguns fatores internos passaram a afetar duramente nossa economia, os quais combinados com os fatores externos que já vinham nos atingindo, levaram a presidenta eleita a mudar a rota, adotando parte da agenda econômica derrotada nas urnas com Aécio e cia.

Tais fatores fora do controle governamental que somente os economistas sérios e competentes mencionam são, por exemplo, a estiagem terrível que assolou o país, impactando a produção e o preço dos produtos, além de esvaziar os reservatórios das usinas termelétricas, obrigando o consumo de energia mais cara (termelétrica) e, por óbvio, elevando praticamente todos os custos de produção, o que repercutiu no aumento da inflação. 

Sem falar nos ataques especulativos, orquestrados e promovidos pelo mercado financeiro para reforçar e justificar economicamente o clima político pró-golpe então instaurado.

Externamente, um dos fatores que contribuíram para o esfriamento da nossa economia foi a forte queda na economia Chinesa, impactando diretamente toda a economia mundial.  

A isso junta-se as oscilações e quedas do preço do petróleo registrados no mercado mundial no período, ocasionando terríveis dificuldades para a Petrobras, algo muito mais impactante que a corrupção descoberta na estatal, envolvendo diversos partidos políticos e existente pelo menos desde a gestão de FHC.

Portanto, apesar de grave e revoltante, a corrupção na Petrobras representa apenas uma gota nesse oceano, embora os interesses golpistas e o senso comum se agarrem nesse fato para explicar quase todos os problemas econômicos ocorridos no Brasil, o que remete à sina de advogar em prol dos interesses próprios ou de buscar a explicação mais fácil, reinante em nosso mesquinho país.


Flávio Fligenspan (*)

Como é do conhecimento geral, ao longo do primeiro mandato, Dilma acumulou distorções de preços administrados e acomodou uma suave correção cambial, para assegurar um mínimo de competitividade à combalida indústria nacional. Combinou estas ações com outras na área fiscal, como redução de impostos (IPI) e desoneração da folha de pagamentos de diversos setores. A inflação não passou do limite superior da meta, o déficit público cresceu e a reeleição foi garantida, ainda que sem a simpatia do empresariado.

O início de 2015 marcou a reversão do quadro, numa tentativa de corrigir todas as distorções de uma vez só e arrumar a economia para um novo ciclo de crescimento. Assim se construíram os choques de preços administrados e a correção cambial propostos por Dilma e Levy no início de 2015; contudo, tais medidas gerariam um inevitável surto inflacionário e, por isso, Levy implementou o que seria – na sua visão – uma suave recessão.

Segurando a demanda com restrição de crédito, elevação dos juros e arrocho fiscal, o ex-Ministro pensava controlar a alta dos preços. Errou a dose e pôs tudo a perder. Aplicando um aperto forte demais numa economia que já vinha caindo e contando com um apoio parlamentar que não se efetivou, ajudou a construir as condições para o impeachment.

Apesar da recessão, a inflação de 2015 foi muito alta, mais de 10%, como resposta às medidas de Levy e a um choque de preços de produtos alimentares que não havia como se prever. O que era previsível é que com o passar do tempo, os efeitos dos choques de oferta de Levy – não de demanda – iriam se dissipar e a inflação recuaria. Esta aposta era fácil de fazer. A despeito disso, a inflação mais alta já no segundo semestre de 2015 e no início de 2016 sustentou o discurso da necessidade de se manter o aperto monetário, com contenção do crédito e taxas de juros bem altas. Afinal, esta é a regra de ouro do sistema de metas de inflação, que interpreta o fenômeno sempre como causado por excesso de demanda. Não importa se o tal excesso de demanda esteja ocorrendo num ambiente de recessão, o que em si representa uma contradição. A resposta do modelo é que é necessário manter o aperto mesmo assim, porque desta forma se evitam os efeitos de segunda ordem, os repasses dos preços em alta. Haja homens de boa vontade e com fé para acreditar nisso.

Pois bem, houve a troca da Presidência e da equipe econômica no meio de 2016. O aperto monetário prosseguiu e a recessão se prolongou, com seus conhecidos malefícios econômicos e sociais. Finalmente, mas não em desacordo com o esperado, a inflação começou a ceder, e até com alguma força, no segundo semestre de 2016. Dado o tempo necessário, os choques de oferta de Levy foram naturalmente absorvidos e a taxa de câmbio até ajudou, num movimento de recuo. Projeta-se para 2017 uma inflação perto de 5%, podendo até mesmo bater no centro da meta (4,5%); 2018 já entregaria o cumprimento da meta.

Como os defensores do sistema de metas de inflação interpretam tais resultados? Óbvio, trata-se do triunfo do modelo, houve o “aperto necessário” que, infelizmente, trouxe as consequências negativas, mas se mostrou que a teoria funciona. O que de fato aconteceu foi que os administradores do modelo derrubaram a economia, numa recessão de violência sem precedentes, arrasaram milhares de empresas e liquidaram milhões de empregos e “obtiveram sucesso” no combate à inflação. Assim é fácil, se mede o resultado apenas pela variável objetivo e o resto, bem é o resto…

As entrevistas de membros do Copom e da equipe econômica e de representantes do mercado financeiro referem o regozijo do resultado alcançado, esquecendo dos aspectos negativos. Já o setor real da economia, principalmente indústria e comércio, assustados com o desempenho de seus negócios e tendo que amargar perdas grandes, vêem o tempo passar e suas empresas voltar para trás, demitir e diminuir de tamanho. Exigem do Governo medidas urgentes, no centro – juros e crédito – e na margem da política econômica. O Governo, frágil, sem legitimidade e ameaçado pela Lava Jato, responde apressadamente com ações microeconômicas em várias áreas, muitas delas até boas e necessárias desde há muito. Mas agora é tarde, o estrago está feito e não é pequeno. Fica mais uma vez a mesma lição, alcançar metas de inflação sem compromisso com crescimento, emprego e estabilidade social, não representa sucesso, mas sim autoritarismo e violência civilizatória.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS.


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