Rolim é o cara!!!




Reproduzo a seguir a magnífica e apropriada reflexão do sempre magnífico e apropriado Marcos Rolim. Ando de mal com as palavras, também por isso, faço minhas as palavras dele. Com vocês, Marcos Rolim:







LIVRAI-NOS
13 de março de 2009
Marcos Rolim
Jornalista

Simone de Beauvoir foi uma mulher fascinante e nos legou belas reflexões. Nem por isso, deixou de escrever bobagens. A mais conhecida, talvez, seja sua frase: “A verdade é una, o erro é múltiplo; não por acaso a direita professa o pluralismo” (“O Pensamento de Direita, hoje”, Paz e Terra, 1972, 112 pág.).
A afirmação seria apenas uma infelicidade, não tivesse sido, antes, a ameaça levada à prática pelos regimes totalitários, à esquerda e à direita, traduzida em milhões de mortos. Em setembro de 1991, eu estava no salão de atos da UFRGS quando Castoriadis criticou esta passagem (quem quiser poderá ouvir as conferências promovidas pela prefeitura em http://www.caosmose.net/castoriadis/ com a tradução de Dênis Rosenfield. Os mais novos saberão que o prefeito era Olívio Dutra, que o Secretário de Cultura era Pilla Vares e que Fernando Schüller arrasava). O filósofo também perguntou sobre qual a diferença entre os regimes do leste europeu e o regime cubano (“– Talvez os trópicos”, respondeu jocosamente), recebendo, então, a vaia de uma parte do auditório. Senti uma “vergonha reflexa” e percebi que a vaia, na circunstância precisa onde se anuncia um pensamento diverso, era o mal-estar diante do pluralismo. Simone não sabia, mas sua afirmação repetiu um argumento empregado por Santo Agostinho contra os heréticos. Pode-se afirmar muita coisa sobre a verdade, mas a noção de que o pluralismo seja a expressão do erro só pode ser concebida de forma coerente em uma tradição religiosa; vale dizer: a partir da aceitação de uma “palavra sagrada” que, como tal, coloca-se fora de discussão. Como se sabe, uma vez alojado na armadilha da fé, o fiel que duvida já está no “pecado”. Nesta interdição, está a ponte entre as religiões e as ideologias. Ambas só se mantém pela impossibilidade do pensamento – aquele que se volta sobre as premissas do sujeito e que, por isso mesmo, assinala uma experiência tão mais incômoda quanto mais profunda. “Pensar dói”, disse Pascal. Tinha razão ele. Também por isso, pode-se compreender a frase do oficial da SS dita a Primo Levi em Auschwitz: “- Aqui não existe por quê”.

O mundo em que vivemos, felizmente, está cheio de dúvidas e de perguntas. Os que as propõem navegam em busca de sentidos e quando esta viagem é para valer descobrem que não há um porto para ancorar certezas. Quando descobrimos uma verdade, sabemos que ela nos revela – quando muito – uma face entre as tantas que só podem ser visíveis por outros olhares, a partir de posições outras. A Igreja católica entende que os responsáveis pelo aborto de uma menina de 9 anos, vítima de estupro, devem ser excomungados (posição não apenas do bispo, mas do Papa e da CNBB). Também aqui não existe por quê. Trata-se da “Lei de Deus”, dizem. A história, é claro, está mal contada. Afinal, um Deus que permitisse que uma criança fosse estuprada e, depois, exigisse que ela morresse para que sua lei fosse cumprida, seria um Deus mau. Mais provável que a maldade esteja naqueles que apresentam como “vontade de Deus” aquela que é apenas a sua vontade e que o fazem por sobre o destino esfacelado de uma criança. Acima dela, afinal, estaria “a verdade que é una”. Que Deus nos livre desta verdade....

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