Ato político
O “diabo” nunca
mostra sua verdadeira face feia e assustadora. Para atingir seus objetivos
macabros, normalmente o mal se apresenta com cara bonita ou com um repertório ou
receituário aparentemente benéfico. Assim, em nome de Deus e da virtude, a
humanidade praticou e ainda pratica as piores atrocidades. Em nome do
progresso, se joga nações inteiras no abismo do atraso. Em nome da liberdade ou
da suposta ameaça a ela, se aprisiona de diferentes modos legiões e legiões de
pessoas. Em nome da paz, se pratica as piores violências ou promove as guerras
mais mortíferas.
Abre o olho
Brasil, ainda dá tempo de escapar das garras “desses coisas ruins” que roubaram
o nosso país e já assinaram nossa sentença de sofrimento ou de morte. Quem sabe
faz a hora, não espera acontecer!
O Brasil em tensão: poder
militar-miliciano nas veias do governo Bolsonaro
O Governo
Bolsonaro constrói uma narrativa autoritária que estabelece a ordem para matar
com a proposta de excludente de ilicitude e, em perspectiva, aponta para um golpe de Estado que se anuncia com repertório de fatos
que coincidem com a liberação de armas de fogo. Essa narrativa se agrava com a
apreensão de 117 fuzis com milicianos no condomínio de luxo que reside
Bolsonaro; com militares traficando cocaína no avião presidencial; com os
filhos fazendo a defesa da memória de ditadores e torturados; com a relação dos
filhos com grupos milicianos; com ameaças de AI-5;
com ex-juiz e ministro da Justiça que atua como um capitão do
mato; com apoio a milicianos que invadem embaixadas; com militares que ameaçam
ministros do STF e que não reconhecem que houve o
Golpe Militar de 1964 – para eles, o Golpe foi a salvação do Brasil do
comunismo; com militares que apoiam golpe militar nos países da América Latina; entre outros. Essa
narrativa evidencia a marcha da insensatez rumo à consolidação de um governo
militar-miliciano, que se organiza publicamente, com afronta aos Poderes
Legislativo e Judiciário.
O partido Aliança pelo
Brasil consolida a união do poder militar (institucional) com o poder miliciano
e paramilitar (estado paralelo) para impor uma nova forma de dominação do
espaço estatal, no Brasil, como o que ocorre na Bolívia.
O eixo militar-miliciano tomou o Governo e tutelam qualquer interventor. É a
união do Estado Institucional (militar) e do Estado Paralelo (milicianos)
contra as classes populares, classe trabalhadora e contra a própria classe
média. É um projeto de morte contra os sonhos de libertação do povo brasileiro
e latinoamericano. É preciso ler o labirinto, perceber as contradições e
apontar possibilidades de estratégias, táticas e alternativas de mobilização do
povo brasileiro, pois o recado do Governo aponta para uma intervenção
autoritária. A questão central que orienta nossa análise é sobre que narrativa
a esquerda brasileira propõe para conter e enfrentar essa escalada armada e
ideológica do Governo Bolsonaro?
A primeira estratégia é
superar a visão ingênua de democracia e compreender os elementos
que sustentam a democracia liberal, que se confunde com formas autoritárias de
governos militares-milicianos e reconstruir o lugar da sociedade civil na
organização de uma nova plataforma democrática. A segunda, é contextualizar que
essa ofensiva da ultradireita, na América Latina, tem raízes históricas nas
intenções de dominação europeia, cujo marco foi a invasão colonial, mas ainda
perpetua com as tentativas de golpes do imperialismo estadunidense. Essas
ideias povoam a América Latina com o avanço neoliberal (projeto econômico),
neocolonial (projeto territorial) e neopentecostal (projeto religioso), sempre
com apoio da elite colonial e escravocrata.
Esse projeto de morte
encontra terreno fértil com os avanços dos grupos militares-milicianos que
atuam em duas frentes: no campo institucional, com as forças armadas – que não abandonaram
o ideário autoritário na disputa do Estado com a trama dos golpes militares; no
campo da social, os militares ampliam sua força armada com o apoio à
organização de grupos milicianos ou paramilitares que traficam armas, drogas e
dominam territórios, como o que ocorre no Rio de Janeiro. Esse contexto tem o apoio
e a participação da elite escravocrata, que se organiza no asfalto para dominar
e subjugar os pobres e subalternizados nas periferias do Brasil – sob a lógica
da velha reprodução Casa Grande X Senzala. Não há golpe militar sem armas, exército,
polícia e projeto político de dominação.
A esquerda precisa analisar
essa conjuntura, que combina o uso de armas e de violência para tomar o poder estatal, reprimir e
perseguir seus opositores, os movimentos e as organizações sociais
progressistas. Esse grupo militar-miliciano tem como objetivo dominar o Estado
para garantir o enriquecimento das elites nacionais, com a destituição do
sentido público estatal, com as privatizações; a expropriação das terras; e o
extermínio dos povos originários e raciais, como indígenas, negros,
quilombolas. Não podemos subestimar a determinação dos aliados de Bolsonaro,
tampouco dos militares que compõem o Governo e dos ideais de manutenção de
privilégios das elites nacionais.
Depois de mais
de 500 anos, a América Latina continua na solidão em sua luta pela libertação
dos domínios coloniais e imperiais que avançam sobre nossas terras, nossas
biodiversidades, nossas águas, nossas riquezas e, com maior intensidade, sobre
a esperança e os sonhos de nossa gente. Apesar disso, a memória de libertação
do domínio hispânico e português continua sendo o maior legado de organização
do povo latino-americano na resistência e na conquista da independência
colonial. Dois pontos de resistência na América Latina podem subsidiar nossa
leitura sobre as dimensões e as estratégias de organização da esquerda no
Brasil, apesar de suas especificidades.
Na Bolívia, o recente golpe de Estado e, na Venezuela, as tentativas fracassadas de golpe. Na Bolívia,
prevaleceu a combinação militar-miliciana como força central de destituição do
governo de Evo Morales e a instalação de um
regime autoritário, com participação efetiva da Organização dos Estados Americanos
(OEA), ou seja, com intervenção estadunidense no apoio das
forças de extrema-direita no continente. Isso precisa ser analisado pela
esquerda latino-americana.
A América Latina enfrenta
uma luta de correlação de forças de extremos, com alternância entre governos
democráticos e governos de extrema-direita, marcados pelo autoritarismo, pela violência policial e pela intervenção
militar e miliciana. Na Venezuela, a combinação popular-institucional avança
contra as tentativas de golpe de Estado, ou seja, há organização das classes
populares para defesa da soberania nacional inspirada no
legado de libertação do colonialismo, liderada por Simón Bolívar, e o avanço na
derrota do imperialismo, pelo chavismo.
Não tem resistência sem
memória, autoconhecimento e formação de uma identidade própria que esteja fora
do centro estadunidense e europeu. O institucional, porque o chavismo conduziu
as reformas necessárias de suas instituições como parlamento, poder judiciário
e forças armadas, apesar do modelo de democracia que querem impor aquele país.
A forma de democracia que tem prevalecido é a popular, o fortalecimento das
instituições e de uma ampla frente de defesa da soberania nacional da
Venezuela. O poder militar-miliciano de extrema-direita e antinacional, com
apoio do Governo dos EUA, tem sido derrotado sucessivamente em
suas tentativas de golpes. Apesar das sanções, a Venezuela, é uma experiência
de resistência que pode contribuir para enfrentamento do eixo de morte
militar-miliciano de Bolsonaro.
A extrema-direita, liderada
pelo Governo Bolsonaro, quer impor as ideias de ditadura que corre nas veias do
grupo militar-miliciano. No Brasil, a tensão aumenta a cada afirmativa do
Governo de retorno do AI-5, a questão central é como a esquerda se articula
para vencer os ideários de autoritarismo e a eminência da ditadura proclamada
pelo eixo militar-miliciano que assume a direção política do Estado brasileiro.
Socorro Silva – Professora e Doutora em Educação da UFPI Coordenadora do Núcleo em Educação e
Ciência Descolonial (NEPEECDES)
Publicado originalmente em: https://pt.org.br/o-brasil-em-tensao-poder-militar-miliciano-nas-veias-do-governo-bolsonaro/
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