Uma porta aberta para o futuro
Está em curso em Herval,
talvez uma das melhores iniciativas do poder público local nos últimos tempos.
Falo do Inventário do Patrimônio Histórico de Herval, uma iniciativa da
Secretaria Municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, com apoio da
Secretaria Municipal de Planejamento, a partir de convênio firmado com a
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPEL. O trabalho tem como objetivo
criar as bases para o resgate e preservação do patrimônio material de nossa
cidade, possibilitando a construção de políticas e abordagens públicas nessa
área. Contudo, no momento em que se realiza, assim como pela metodologia utilizada
que parte do envolvimento das forças vivas do município nesse trabalho, existe a
expectativa que o resgate intentado fomente ou mesmo possa ir além do aspecto arquitetônico.
Vivemos um tempo de obscurantismo
no Brasil, no qual não apenas o espaço público, mas o conhecimento científico e
a pesquisa são demonizados abertamente, atacados e desmontados por forças políticas,
atores sociais e agentes públicos que deveriam cumprir o papel de incentivá-los
e fortalecê-los. Então, é muito significativo que o trabalho em questão seja
capitaneado e conte com a expertise de uma Universidade Pública.
Ademais, um patrimônio
arquitetônico, seja ele qual for, não é obra do acaso. As moradias ou
edificações com caráter público são sempre expressão de um povo, isto é, da cultura
e das relações sociais, econômicas, políticas, ambientais estabelecidas num determinado
lugar. Desta forma, é muito valoroso que esse trabalho tenha partido da escuta
das vozes locais, as quais puderam ou poderão trazer a sua percepção e o
relato sobre alguns personagens e fatos que marcam a nossa história, desde a
formação até os dias atuais.
Na primeira roda de conversa
dos professores e estudantes com o público e dirigentes municipais, transcorrida dia 5 de
outubro, além da nossas belezas naturais exuberantes, ponderei questões
relativas à formação e construção histórica de Herval, ligada umbilicalmente a então
Coroa Portuguesa, às refregas pela demarcação do território nessa região fronteiriça
e às grandes propriedades rurais, que constituíram a matriz e o horizonte de
Herval e dos hervalenses durante um longo período. Uma matriz e um horizonte que
nos últimos tempos, em pouco mais de 20 anos, sofreram uma acentuada mutação ou
alteração (sem entrar no mérito do assunto), a partir de pelo menos cinco fatos
marcantes, sendo o primeiro natural e os demais sociais e econômicos. São eles:
a “invasão’ dos javalis que, num período de forte seca, cruzaram o rio que nos
separa do Uruguai; a instalação de uma dezena de assentamentos rurais (sem
nenhum conflito agrário, caracterizando a chegada de populações oriundas de
outras regiões do RS e simbolizando a ruína de um modelo produtivo e de sociedade); a
emancipação de Pedras Altas que retirou de Herval cerca de 40% do seu
território; o plantio indiscriminado de árvores exóticas e mais recentemente o plantio
acentuado de soja, um cultivo não originário e até então pouco difundido por
aqui.
Como ensinou Jose Martí, “nenhum
povo é dono do seu destino, se antes não é dono de sua cultura”. Então, que
esse trabalho de resgate do patrimônio histórico da nossa cidade, nos permita
aprofundar o olhar sobre as raízes, teias, cenários e conexões construídas ontem
e hoje no âmbito da Sentinela da Fronteira, passeando não apenas pelos antigos casarões,
mas descortinando os "casebres” e até as “senzalas” de outrora; na perspectiva tanto de redescobrir ou ressignificar nossa história quanto de abrir novas portas para o nosso futuro.
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