Pobre do menino pobre de espírito e rico na arte de enganar
Era uma vez, num lugar tão tão distante chamado Cordilheira do Baú, um menino pobre que sonhava em ser prefeito da sua cidade.
Menino pobre que de pobre só tinha o discurso, pois ele até declarou possuir um patrimônio polpudo, embora a origem desse patrimônio fosse duvidosa ou amealhada por meios escusos e inconfessáveis.
A ganância do menino pobre apenas na conversa fiada não tinha limites. Tudo que ele ambicionava era poder e obter novas fontes para engordar o seu bolso.
Ah, mas ele falava o tempo inteiro nas agruras dos pobres e alardeava conhecer o caminho para promover a prosperidade geral na cidade tão tão distante! Papo para inglês vê e um truque ilusionista para conquistar súditos e bobos da corte e soldados para defender o projeto de poder pessoal e intransferível do menino pobre que, na verdade, era endinheirado e possuía um rei na barriga. Uma mera peça de propaganda e obra de ficção para sensibilizar os incautos na sua caçada sem escrúpulos por votos e ascensão social, afinal o demônio nunca se apresenta com a sua verdadeira face. Quantos falam em nome de Cristo, porém possuem a boca cheia de fel, o espírito sombrio e o coração macabro?
Falando em Cristo, a árvore se conhece por seus frutos e os frutos do menino ganancioso que se apresentava como pai dos pobres, eram podres. Bastava ter olhos de ver os métodos que ele usava para alcançar seus objetivos, seu rastro enorme de sujeira e o tanto de gente que ele havia passado a perna, a fim de saciar sua sede insaciável de poder e dinheiro a qualquer preço. Só o comprava quem não o conhecia, já que em lugares pequenos tudo vêm a público e todos sabem quem é quem. Só o comprava quem era farinha do mesmo saco. Só o seguia quem era cego ou almejava fazer parte da sua corte e receber uma fatia do bolo (ou seria bolada?) perseguida pelo menino pobre da boca para fora. Pedia por ele apenas uma legião de sanguessugas e sorros mansos e corvos e gafanhotos e cobras criadas, sempre pronta a dar o bote e abocanhar os tesouros que não construíram, além de dourar a pílula do menino pobre de espírito e rico em ganância, que queria sentar no trono e ser reverenciado como uma criança mimada deseja um brinquedo novo.
A cidade em que o menino ganancioso e inescrupuloso que fingia ser pobre e defensor da causa dos pobres, ia de bem a melhor. Mesmo assim, a turma do falso menino pobre vivia apontando o dedo sujo e dizendo que estava tudo errado e que com o menino pobre de mentirinha no comando que o céu iria se fazer e num passe de mágica os problemas de todos teriam pronta solução. Seria como se Deus descesse à terra para operar milagres e realizar aquilo que os homens maus não faziam simplesmente por serem maus e indiferentes à dor dos "deserdados da sorte", segundo a narrativa simplista e mentirosa do menino pobre de fachada.
Será que os problemas da população seriam resolvidos ou somente o sonho do tal menino pobre, de engordar sua conta bancária e passar bem as custas do suor de todos, é que seria realizado? Será que o sonho de ascensão do menino falsamente pobre ao poder, não seria o retorno do pesadelo ao lugar que, depois de muito esforço e renúncias, havia entrado nos eixos, encontrado o bom caminho e as coisas tinham começado a dar certo?
Afinal, a terra que o menino disfarçado de pobre queria ser rei ou mandatário maior, já havia sido arrasada antes. Justamente, pelos membros do reino em que o tal menino se criou e se colocava como principal herdeiro. Ele era filho e sucessor de uma casta que falava no novo, mas representava tudo que existia de mais atrasado naquelas paragens. Afirmava ter a receita do sucesso, mas boa parte da elite que ele representava tinha crescido por serem amigos do rei ou ter nascido em berço de ouro, tendo jogado tudo pelo ralo. Falava em seriedade, mas topavam qualquer negócio para levar vantagem e viviam mergulhados na lama como porcos. Chamava todos, mas os escolhidos do menino mimado e com ares de tirano eram muito poucos, já que ele reconhecia valor, talento e altivez somente naqueles que aceitassem se curvar diante dele ou dançassem ao som da sua música fúnebre e fora do ritmo.
Ao mesmo tempo que se autoproclamava como porta-voz do futuro e anunciava um mar de grandes novidades e uma guerra sem trégua contra os abastados (obviamente, apenas aqueles que não estivessem do seu lado), o menino pobre de espírito e pródigo na arte de enganar puxava um triste e ultrapassado trenzinho da alegria e uma caravana composta pela falcatrua, a truculência e o abandono dos mais necessitados. Bastava comparar seus ditos com seus feitos, para constatar a farsa e ver que ele não ia além do terreno das palavras. E como falava bonito o menino pobre de faz de conta que, como escudo, invocava a toda a hora a luta messiânica e fajuta do bem contra o mal. Tão bonito que ele mesmo acreditava nas próprias mentiras.
O menino em questão, personagem dessa estória inventada, era verdadeiramente capaz de atear fogo em Roma ou em tudo que ele encontrasse pela frente, no afã de provar que ele tinha a força e que os fins justificavam os meios. Era uma espécie de Rei Midas, porém diferente deste personagem da mitologia grega que transformava em ouro tudo que tocava, seu dom era transformar em merda tudo que suas mãos alcançavam.
Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera consciência, mesmo assim fica o alerta de que assim como em nome de Deus se pode cometer muitas atrocidades, em nome do bem e dos pobres, se pode criar monstros com apetite para devorar primeiro, exatamente, os benevolentes e os mais vulneráveis.
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