Ato político
Emir Sader sempre sábio e certeiro. Leiamo-nos, incorporemos
suas palavras em nossa agenda e, sobretudo, em nossos afazeres, de modo a virar
o jogo e preparar a colheita de dias melhores.
A renovação da esquerda
O resultado da
eleições deste ano representam uma continuidade e um aprofundamento do regime
de exceção instaurado pelo golpe de 2016. Uma nova gangue, que assaltou o
governo, assim como a gangue havia feito, se reparte o botim, não importando o
país, o povo, a democracia.
Para a
esquerda representa um novo desafio. O de resistir, como sempre, mas desta vez
diante de uma ofensiva que promete ser mais profunda contra os direitos básicos
da população, das organizações populares, das chamadas minorias políticas. Mas
resistir junto a uma imensa força despertada pelas ameaças brutais do candidato
a que as elites brasileiras abraçaram, como fazem sempre, como ao aventureiro
de plantão que as pode livrar de ter que conviver com governos que atendem os
interesses da maioria da população.
Mas o
resultado das eleições também traz o recado de que a esquerda no seu conjunto –
partidos, movimentos sociais, personalidades, artistas, intelectuais, entre
tantos outros protagonistas – precisam renovar-se, para estar à altura da nova
etapa histórica do Brasil. Porque não se trata simplesmente de resistir para
retornar ao que vivemos antes, por mais virtuosos que tenham sido os governos
progressistas deste século.
Temos,
antes de tudo, de deixar de ficar pensando nos termos do passado recente. Sobre
alianças de uns partidos de esquerda contra outros, em termos de nomes para
2022. Tudo isso tem que ser definitivamente varrido do campo da esquerda,
pertence à herança ruim de um passado que não nos permitiu vencer. São poeiras
da estrada, que temos que deixar para trás, para podermos avançar. Ninguém sai
de uma derrota dessas com a mesma roupa, com os mesmos hábitos, salvo que
queira repetir as derrotas indefinidamente.
A reação da
oposição democrata a Trump nestas eleições legislativas norte-americanas é uma
boa indicação sobre como combater o avanço da direita e conquistar novos
espaços. Nos EUA, se está dando um grande processo de renovação da oposição,
produto das próprias mobilizações populares de resistência ao governo Trump.
Mulheres, jovens, muçulmanos, índios, entre outros, foram eleitos de forma
inédita nos EUA, refletindo já uma nova composição da oposição democrática,
apontando para novas agendas, novas formas de atuação, novas lideranças.
A
resistência à nova ofensiva da direita mobilizou a setores muito amplos do
país, incorporando a gente que nunca havia estado mobilizada, a setores novos,
fenômeno que infelizmente não teve tempo de se refletir nas eleições.
Concorremos, com poucas exceções, com os nomes que tínhamos já, a participação
de personagens da velha politica ainda foi muito grande.
A esquerda
agora precisa se renovar. Não se trata de desfazermos do que acumulamos de bom,
que é muito. O Lula continuará sendo o nosso maior líder. Dependendo da sua
situação pessoal, temos que ver as formas de sua participação nessa nova etapa
da nossa luta. Mas ele representa não apenas a figura de mais prestígio
político no país, como o único grande líder popular nacional, a única liderança
que permite que a esquerda rompa seu isolamento em relação a setores amplos da
população. Como exemplo: quando o Lula era candidato ou quando seu nome era
mencionado nas pesquisas, sempre ganharia no primeiro turno. Perdiam forca as
manipulações de robôs na internet, as mentiras, até mesmo as igrejas
evangélicas. Porque com a presença da imagem do Lula as pessoas são
interpeladas na sua vida concreta, cotidiana – salário, emprego, escola, casa
própria, entre outros momentos das suas vidas. As outras determinações ficam em
segundo plano. Por isso o tiraram da disputa. Mas nós vamos necessitar sempre
dele, pelo que ele representa de liderança, mas também de memoria para o povo,
e como o depositário das melhores experiencias que a esquerda brasileira já
teve.
Mas
precisamos incorporar à luta e ajudar a formar novas lideranças originarias dos
setores que tem estado mais ausentes da vida politica brasileira: mulheres,
jovens e negros, para resumir o essencial. Lideranças de mulheres, de jovens,
de negros, se possível de mulheres jovens negras, por exemplo. Mas também do meio
artístico e intelectual, dos LGBT, dos quilombolas, dos índios.
De forma a
que a própria composição dos partidos, das candidaturas, dos movimentos
sociais, dos debates públicos, das lideranças nacionais, se renove. Renovação
etária, claro, mas também da linguagem, das reivindicações, das temáticas, das
formas de luta.
A direita
se renova, com as concepções teocráticas da política, com temas do fascismo,
com usos renovados da internet. A esquerda tem também que se renovar, mesmo se
na direção radicalmente oposta à da direita. Com extensão do caráter laico do
Estado brasileiro, com temas libertários, com melos eficiência no uso
democrático da internet.
Deixar de
lado, agora mesmo, as velhas discussões sobre as alianças entre os partidos. O
buraco é muito mais profundo. A discussão tem que ser na direção da
constituição de frentes de luta que incorporarem diretamente aos movimentos
sociais, para oxigenar o desgastado clima de debate entre direções dos
partidos. Que incorporem a artistas, a intelectuais, a personalidades do mundo
democrático. Deixar de lado a discussão absurda sobre nomes de candidaturas
para 2022, lista que sempre projeto o presente e o passado sobre um futuro que
será novo, se queremos estar à altura dos imensos desafios que temos pela frente.
Ou a
esquerda se renova ou será vítima das mesmas armadilhas antidemocráticas
montadas pela direita, que nos levou às derrotas recentes. E nós precisamos e
merecemos de novas vitórias.
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