Ato político



O passado deveria ser uma roupa que não nos serve mais. Deveria, pois na política Brasil e Argentina são campeões em repetir erros do passado não muito distante, caindo na cilada ultraliberal que já deveria estar morta e enterrada.

 

Por mais que a propaganda bancada pelo poder econômico mundial venda o paraíso, na prática o paradigma neoliberal provou ser o grande câncer a corroer países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como é o caso da América Latina.

 

Assim, a promessa de que, em adotada a agenda neoliberal, se alcançaria o céu na terra; na vida real nunca passou de conto de fadas. E qual é essa tal agenda? A redução ao máximo o tamanho do Estado; promoção de ajustes fiscais escorchantes a custa do sacrifício da população com menor poder aquisitivo; corte de serviços públicos e políticas públicas promotoras de inclusão social e desenvolvimento econômico; venda de empresas públicas lucrativas; apoio governamental para o investimento especulativo no lugar de apostar no capital produtivo; falta de apoio à produção com conteúdo nacional, “exportando” empregos para outros países; isenções fiscais bilionárias para empresas multinacionais sem exigir o mínimo retorno para o conjunto da sociedade; corte de investimentos em pesquisa, inovação, ciência e tecnologia; enfraquecimento ou retirada do Estado de setores estratégicos (energia, água, combustíveis), dificultando ou impossibilitando a regulação dos preços desses serviços, etc., etc. e etc.

 

Enfim, como diz o grande Olívio Dutra, um estado mínimo para a maioria e máximo para meia dúzia de muito ricos.

 

Esperemos que o povo acorde e deixe de buscar soluções em pessoas, slogans, “dancinhas” ou palavras de ordem e preste mais atenção nos projetos políticos em disputa. Só assim, haveremos que trilhar o bom caminho e não aceitar nenhum retrocesso.

 

Brasil e Argentina repetem o modelo dos anos 90 e fracassam de novo



A direita latino-americana fez tudo o que pôde, falsificou a realidade, apelou para a fraude jurídica, para o marketing eleitoral para interromper os governos que punham em prática políticas antineoliberais. Não tinha projeto de país. Seu objetivo era prestar mais um serviço às oligarquias dominantes, interrompendo governos que governavam para todos, promoviam a integração social, fortaleciam o Estado e adotavam políticas externas de soberania nacional.

Na Argentina a direita conseguiu voltar ao poder por meio de eleições, no Brasil por meio de um golpe. Mas rápido essa diferença se revelou secundária. Colocam em prática, de novo, políticas neoliberais, muito similares entre si, como havia ocorrido nos anos 1990. E fracassam novamente, de maneira muito similar.

O retorno da direita na Argentina parecia apresentar as melhores condições para o projeto de restauração neoliberal. Um candidato que havia sido presidente do Boca Juniors numa fase sumamente vitoriosa do seu time de futebol. Depois foi prefeito de sucesso na cidade de Buenos Aires por dois mandatos, tendo eleito seu sucessor. Uma imagem jovem, de executivo de sucesso, com um marqueteiro competente, conseguiu derrotar o candidato de Cristina para presidente da Argentina e para governador da província de Buenos Aires, concentração histórica da classe operária peronista. Com o prefeito de Buenos Aires e os governadores das duas principais províncias do interior, conseguiu que seu partido chegasse aos postos chave do sistema político argentino.

Mesmo sem maioria no Parlamento, joga com os recursos do governo federal às províncias e com divisões dentro do peronismo para conseguir aprovar boa parte dos projetos que manda ao Congresso. Cronistas apressados – inclusive entre os que se julgam progressistas – se precipitaram a prever que o macrismo vinha para ficar como o grande partido da direita argentina, que Macri seria favorito para reeleger-se em 2019 e que a derrota eleitoral da esquerda seria de longo prazo.
“O Plano A está funcionando. Mudanças graduais, mas profundas. A economia cresce por segundo ano seguido, cria emprego, diminui a pobreza e tudo acontece liderado pelo investimento e enquanto corrigimos desequilíbrios. Vamos chegar a 2019 crescendo três anos seguidos, e no momento das eleições, crescendo a mais de 5%.” Mensagem escrita por um alto funcionário do Ministério da Fazenda argentino dia 22 de abril a um jornalista do Le Monde Diplomatique daquele pais, que comenta; “Duas semanas depois, a terra tremia e Macri anunciava que volvíamos ao FMI. Algo tinha falhado: o Plano A tinha se esgotado e não havia plano B.”

Havia sinais de que as coisas tinham mudado na Argentina. Macri conseguiu aprovar a reforma da previdência mas, devido à forte resistência do movimento sindical, não a reforma laboral. Manifestações de rua foram violentamente reprimidas e o apoio a Macri foi descendo. Até que veio a crise atual, possível porque o governo não conseguiu conter a subida do dólar, mesmo gastando 10 bilhões de dólares para tentar estabilizar o câmbio. Os argentinos não acreditam mais nos bancos desde a crise de 2001/2002, quando se sentiram traídos por eles, ao mudar a paridade da moeda argentina de 1 a 1, para 4 a 1, se sentiram lesionados e passaram a poupar em dólares. Dai que diante de qualquer incerteza econômica, correm a comprar dólares e se acelera a disputa pelo valor da moeda norteamericana.

Até que Macri anunciou que o país iria buscar recursos com o FMI, com todas as consequências correspondentes. Obteve 50 bilhões e a carta de intenções, com as maldades correspondentes, começa a ser revelada aos poucos. Do FMI já anunciam que: O povo vai ter que sofrer. Não se sabe de onde mais vão cortar, já que nestes dois anos já se colocou em prática um duríssimo ajuste fiscal, com desemprego, recessão e empobrecimento generalizado, ao lado da fuga de capitais, do aumento da divida pública e do aumento da inflação, que chega a 27% este ano, apesar de todos os cortes de recursos públicos.

O clima econômico mudou rapidamente, com o conhecido sentimento que vai da euforia à maior depressão, o prestigio de Macri se aproxima ao de Temer, se questiona fortemente se poderá se reeleger em 2019 ou até mesmo se vai concorrer. Mesmo sua filiada preferida, Maria Eugenia Vidal, jovem governadora da província de Buenos Aires e eventual candidata alternativa, sofre as consequências desse desgaste. 

Em suma, nas melhores condições da restauração neoliberal, o projeto argentino fracassa estrepitosamente, ao retomar, pura e simplesmente, o modelo neoliberal dos anos 1990, centrado no ajuste fiscal.

Para confirmar que a direita latinoamericana não tem nada a propor senão o ajuste neoliberal, no Brasil também se retomou o projeto fracassado nos anos 1990, como se não  houvesse passado nada desde então, nem seu fracasso, nem o sucesso dos governos que priorizaram o crescimento econômico com distribuição de renda. E, apesar do clima artificialmente criado de que estaria havendo uma recuperação econômica, ela não resistiu às greves dos caminhoneiros e dos petroleiros e volta a se instalar, generalizadamente, o clima pessimista, com índices de suposto crescimento se aproximando de zero.

Brasil e Argentina retomaram o modelo neoliberal dos anos 1990 e fracassam de novo. Fica reaberto o caminho para que governos progressistas retomem o caminho do modelo alternativo, antineoliberal, de crescimento econômico com políticas sociais, de resgate do papel ativo do Estado e de políticas externas de integração regional e intercambio Sul-Sul. O espasmo neoliberal durou pouco.


Por Emir Sader


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