Ato político
A escolha é livre (ou deveria ser, especialmente porque andamos minados pelo bombardeio midiático que mais confunde do que esclarece a opinião pública), mas o ato de escolher sempre gera consequências, para o bem ou mal; para o avanço, estagnação ou retrocesso.
Escolher é sempre legítimo, mas a escolha se torna mais consistente e lúcida quando amparada pela razão, e não pelos ares passageiros ou rasos da emoção ou da manipulação da informação.
Pois a análise brilhante de Sergio Saraiva transita nesse terreno e caminha na direção de orientar a escolha do melhor para o futuro do país. Boa leitura e que nossa escolha seja por mudar mais o Brasil!
O discreto charme de Marina Silva
Marina Silva personifica uma contradição
sedutora, sorri para a modernidade enquanto se apresenta confiável ao
conservadorismo. Depois de Collor de Mello e FHC, é o novo ilusionismo da
direita.
Marina e o olhar as
nuvens.
Marina é um caso de
radicalismo improvável de ser posto em prática. Alimenta simultaneamente
esperanças nos extremos do nosso espectro político. A extrema esquerda e a
direita se unem para apoia-la. “Terceira via” paradoxal, Marina faz oposição ao
centro.
Um governo Marina é a
garantia da traição a um dos lados que hoje a apoiam.
No entanto, messiânica,
parece trazer em si a certeza das ações necessárias para a consecução de cada
uma dessas esperanças. Marina não tem a solução dos problemas, Marina é a
solução. Mas uma solução que não se dá à maçada de apresentar propostas
concretas.
Marina encarna um
discurso de crítica ao sistema. Mas é algo pensado para ser vago, fugidio. É
como olhar as nuvens. Cada um vê nelas o que quer ver, as nuvens em momento
algum se responsabilizam por nossos sonhos, apenas os inspiram.
Marina tem um que de
modernidade que se expressa em um falar protofilosófico que parece ser
compreensível apenas aos iniciados, mas, sem dúvida, transmite confiança no que
fala. E, assim, afasta o contraditório. Para fazer o contraditório é necessário
entender os argumentos do interlocutor. Se o que se ouve não passar de um jogo
de palavras pretensamente modernoso, como contraditá-lo?
Marina pode ser tudo,
mas tola ela não é, vai adiar o quanto puder o debate sobre suas contradições.
Marina Silva é um poço
de contradições.
Marina tem origem no
movimento ecológico, mas há muito isso deixou de ser seu campo de militância.
Alguém se lembra da última causa na qual Marina esteve à frente, dando a cara à
tapa?
Vinda das classes
populares, de pequenos agricultores e extrativistas da floresta amazônica,
Marina tornou-se ícone da classe média urbana do sudeste e sul. Já há tempo que
o Acre deixou de ser seu referencial.
Na Folha de São Paulo, a
colunista Eliane Cantanhêde, dias atrás, saudava uma das características de
Marina que deve ajudá-la em muito na conquista de votos – é evangélica. Mas
Marina não encarna a “nova política”, aquela na qual não se trata eleitores
como se fossem parte do “curral eleitoral” do candidato?
Questionar Marina sobre
sua posição em relação à descriminação do aborto é ocioso. Mas ninguém ainda
perguntou à Marina a sua posição sobre o ensino religioso nas escolas públicas.
Ou sobre o currículo escolar das aulas de ciências no ensino fundamental ou de
biologia no ensino médio. Musa dos “verdes”, é criacionista. Sua posição sobre
esses assuntos seria muito relevante para seus eleitores.
Apesar de ser lembrada
pela causa ecológica, Marina é apoiada por banqueiros e industriais. A Natura e
o Itaú são quase parte do seu partido. Se é que não são o seu
"partido", já que o Rede ainda habita o campo das possibilidades.
Alguém já ouviu uma
palavra de Marina sobre a manutenção das conquistas sociais dos últimos 12
anos? O Bolsa Família, o PROUNI, o PRONATEC, o “Mais Médicos” e a recomposição
do valor do salário mínimo, por exemplo?
O que sabemos de Marina
a respeito da política econômica? Que Marina defende a ortodoxia neoliberal
expressa no tripé – metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante.
Música para os ouvidos
da especulação financeira.
Metas de inflação são
alcançadas, no mais das vezes, com juros altos e trazendo a inevitável redução
da atividade econômica, mas altos ganhos ao setor financeiro. O superávit
primário vai garantir os recursos necessários para pagar os tais juros, mas,
com a redução da atividade econômica, a solução é o corte dos gastos sociais. E
o câmbio flutuante garante os ganhos de capital pela simples intermediação
financeira praticada por fundos de investimentos internacionais ou sediados em
"paraisos fiscais" e nos coloca vulneráveis a ataques especulativos
que realimentam o processo de especulação. Por fim, com a livre circulação
de capitais, base da idéia de câmbio flutuante, está assegurada a expatriação
integral dos lucros dos “investidores internacionais” e dos investidores
internacionais.
Algum jornalista já
questionou Marina sobre isso e se isso não seria uma retomada do modelo do
governo FHC?
E
quanto ao papel do Banco Central na condução da política econômica? Bom, em
relação a isso, Marina já se posicionou. E claro, ela é favorável à autonomia
do Banco Central – não autonomia formal, mas autonomia de facto.
“Nós não defendemos a formalização da autonomia do Banco
Central. Na realidade, a autonomia já faz parte das leis que pertencem a esse
ramo do direito. Mesmo que (a autonomia) não seja formalizada ela se estabelece
a partir do consenso social, político cultural. (Se isso fosse para o debate do
Congresso), criaria um risco de colocar em discussão uma questão como essa. Se
um grupo decidir que não terá autonomia, nós estaríamos diante de uma
fragilização dos instrumentos de política-macro econômica que não é desejada.
Não há necessidade de institucionalização”. Aqui.
Um exemplo da
prolixidade a serviço da dissimulação de intenções.
E pensar que Aécio
apanhou um bocado por ter se comprometido com as tais “medidas impopulares”.
Há ainda outras questões
em aberto em relação a um hipotético governo de Marina Silva.
Marina é uma adversária
do agronegócio – os tais “latifundiários”. Ocorre que o agronegócio não é
mais, no Brasil, apenas a agricultura e a pecuária tradicionais. O conceito
correto para nós é o da agroindústria. Trata se da nossa área de maior
desenvolvimento tecnológico, um dos nossos maiores empregadores, inclusive com
empregos de nível superior, e a principal fonte de exportações brasileiras e
uma das nossas garantias contra a inflação. Qual será a fonte de receitas
que Marina irá buscar para substituí-lo? Turismo ecológico?
É bom que se pergunte
isso a Marina. Como também sobre qual a sua opinião em relação área da
mineração, da exploração do pré-sal e da geração de energia elétrica.
E sobre a privatização e
o papel do Estado como indutor do desenvolvimento econômico.
Precisamos conversar
sobre Marina.
Aécio
não conseguiu formar empatia com o eleitor, patina na casa dos 20% de intenções
de voto há meses. Só cresce agregando “in
extremis” o voto de ódio antipetista. Mas nem assim as pesquisas
apontam uma vitória, sequer um segundo turno é garantido. Tem, além disso, todo
o passivo dos seus governos e correligionários em Minas.
Marina não. Pode-se
molda-la às expectativas dos sonhadores, dos indecisos e dos insatisfeitos. E,
com ela, é possível odiar o PT sem ter de baixar ao nível do calão, de mandar a
presidente da República tomar no cu.
Garante a volta do
conservadorismo ao poder, mas com a leveza de uma “sacerdotisa dos povos da
floresta”.
Um símbolo charmoso e
dissimulado como o foram os ares de modernidade e dinamismo com Collor de Mello
e de intelectualidade com Fernando Henrique Cardoso. E esses governos foram o
que foram.
Por tudo isso, aqueles
que defendem a posição da esquerda, da social democracia, precisam muito falar
sobre Marina, apontar mais uma tentativa de engodo.
Depois de Collor de
Mello e FHC, Marina é o novo ilusionismo da direita.
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