Ato político
Seria cômico, se não fosse trágico! Seria de causar espanto, se o fiasco e a catástrofe Bolsonaro não tivesse sido anunciada ao quatro cantos e com todas as letras...
Outras do
Queiroz
Crônica de um governo
inesperado
Eu acreditei que a corrupção e os privilégios eram
os grandes problemas brasileiros e que o Capitão os varreria do país. Hoje, da
janela de casa, vejo o Coaf escondido numa sala do Banco Central, a Lava Jato,
interceptada por um hacker, reduzida a um aspirador cheio de poeira e de
segredos cabeludos, os poderes, antes soberanos, abusados por uma lei que não
deixa, em alguns pontos, de ser necessária, as bandalheiras varridas para baixo
dos tapetes palacianos. Fico sabendo que o Queiroz, ex-faz-tudo do filho do
rei, mudou-se para o Morumbi, bairro nobre de São Paulo, e faz tratamento no
Einstein, o mais caro dos hospitais brasileiros, desdenhando o SUS e seu
passado de favelado. Uma pergunta me assola: quem paga? Outra vem logo: quem
sustenta o Queiroz, tirado de sua vida discreta pelo olhar indiscreto da
revista Veja, aquela que antes só tinha um olho?
Queiroz não deu explicações. Recusou quatro
convites do Ministério Público para uma visitinha de esclarecimento com direito
a café. Mandou carta de “enrolation”. Deu entrevista de conveniência. Primeiro,
disse que ganhava dinheiro negociando carros. Depois, reconheceu que
administrava parte dos salários dos funcionários do seu chefe, Flávio
Bolsonaro, numa nobre atitude de pedagogia financeira. Desprezado e ferido no
seu orgulho, o MP não o convidou mais para conversar. Queiroz, então, sumiu em
busca de tranquilidade. Trocou a violência do Rio de Janeiro pela paz do bairro
chique paulistano. Pagou despesas hospitalares em dinheiro vivo, guardado no
colchão, chateado certamente com os poucos rendimentos de aplicações
financeiras conservadoras em tempos de taxa Selic em queda livre.
Minhas perguntas parecem o canto do sapo-boi:
foi, não foi? Foi rachadinha, não foi? Silêncio, ninguém responde, cochila a
pátria deitada eternamente sob o céu risonho e sujo. O Zero Um dorme em berço
esplêndido como senador da República, protegido por uma decisão de Dias
Toffoli, presidente da Suprema Corte, que mandou brecar investigações
desagradáveis. Já o Zero Três quer voar mais alto e conquistar a América:
depois de fritar hambúrguer nos Estados Unidos, cabala votos para ser
embaixador do Brasil em Washington. O sapo-boi repica sua bandeira: foi nepotismo,
não foi? É, não é, pode ser!
O mundo se move ainda que o movimento pareça
ilusório: corrupção já não é corrupção, nepotismo pode ser outra coisa, panelas
cumprem sua função original, salvo orquestrações pontuais. A ordem lembra um
velho chavão de faroeste: queima primeiro, pergunta o nome do dono da floresta
depois. E assim arde o Brasil todo no meio do ano. Ao menos, sejamos justos,
uma pergunta não faz mais sentido: Cadê o Queiroz? O sortudo tem endereço,
nenhum mandado contra ele, reside em bairro fashion, paga as suas contas cash,
e, se duvidar, responde a quem o incomodar com um lacônico: “Não devo
explicações”.
E aquela grana toda que o Coaf chamou de
“movimentação atípica”? Os sigilos dos envolvidos foram quebrados. A justiça
não parece ter pressa em revelar o que possa ter descoberto. Para quê? Enquanto
Queiroz passeia nos jardins, Bolsonaro veta 356 artigos da lei de abuso de
autoridade, escolheu um procurador-geral da República, Augusto Aras, fora da
lista tríplice do setor, cuja principal virtude é rezar pela cartilha
ideológica do presidente, e investe na militizarização das escolas de ensino
fundamental e médio. E assim avançamos para o século XIX.
Por Juremir Machado da Silva
Publicado originalmente em:
https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/outras-do-queiroz-1.363855
Por Juremir Machado da Silva
Publicado originalmente em:
https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/outras-do-queiroz-1.363855
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