Ato político
Num país que se pensava democrático e livre
da herança da trapaça institucional, o golpe vai passar. Um golpe, diga-se de
passagem, dado à luz do dia, tramado na frente de todo mundo e com gravações que compravam a trama (vide a conversas gravadas e trazidas a público entre
Sérgio Machado, Jucá e Renan). Lá está dito em alto e bom som que o único jeito
de barrar a Lava Jato era entregar a cabeça da inocente e incorruptível Dilma
numa bandeja e jogar toda a culpa no PT.
Ou alguém ainda acha que precisa desenhar? Ou
prefere a máxima cínica de que o golpe foi necessário e uma manifestação do
bem? Bem de quem?
Nada que surja de um golpe e do assalto ao
poder pode ser bom ou carregar alguma virtude. Ao contrário, golpe é sempre
sujo e execrável e já que as instituições que deveriam zelar pelo estado
democrático de direito promoveram, se associaram ou lavaram as mãos diante do
golpe, a história saberá julgar e condenar os golpistas. Todos eles, um a um.
Outros ainda dirão estarem convencidos de
que Dilma é inocente e vítima de um golpe, porém seu retorno ao posto de onde
nunca deveria ter sido retirada é inviável, pois ela não teria mais condições
de governar. Pois bem, isso é algo que me assusta. Afinal, o golpista Temer parece
ter poderes de sobra para governar, na medida em que assumiu muitos
compromissos e já disse que está disposto a pagar cada centavo da conta do
golpe para os golpistas. Leia-se o Congresso mais corrupto da história do país, a
alta cúpula do judiciário, a mega imprensa manipuladora, os empresários
multinacionais desde sempre exterminadores dos direitos dos trabalhadores, do
emprego e do desenvolvimento do Brasil.
Apertem o cinto, guardem as fotografias e
lembranças dos bons tempos. A corrupção, corruptos e corruptores estão à solta
e o ímpeto de um Brasil mais justo, ético e próspero vai ser coisa do passado
ou vai ter que esperar a queda do golpe e dos golpistas, quiçá, nas próximas
eleições. É a triste sina de um povo que é feito de palhaço e ainda aplaude e
acha graça.
Estamos sendo feitos de palhaços
Por Luís Fernando Veríssimo
Depois da provável
cassação da Dilma pelo Senado, ainda falta um ato para que se possa dizer que
la commedia è finita: a absolvição do Eduardo Cunha. Nossa situação é como a
ópera “Pagliacci”, uma tragicomédia, burlesca e triste ao mesmo tempo. E acaba
mal. Há dias li numa pagina interna de um grande jornal de São Paulo que o
Temer está recorrendo às mesmas ginásticas fiscais que podem condenar a Dilma.
O fato mereceria um destaque maior, nem que fosse só pela ironia, mas não
mereceu nem uma chamada na primeira página do próprio jornal e não foi mais
mencionado em lugar algum.
A gente admira
o justiceiro Sérgio Moro, mas acha perigoso alguém ter tanto poder assim, ainda
mais depois da sua espantosa declaração de que provas ilícitas são admissíveis
se colhidas de boa-fé, inaugurando uma novidade na nossa jurisprudência, a
boa-fé presumida. Mas é brabo ter que ouvir denúncias contra o risco de
prepotência dos investigadores da Lava-Jato da boca do ministro do Supremo
Gilmar Mendes, o mesmo que ameaçou chamar o então presidente Lula “às falas”
por um grampo no seu escritório que nunca existiu, e ficou quase um ano com um
importante processo na sua gaveta sem dar satisfação a ninguém. As óperas
também costumam ter figuras sombrias que se esgueiram (grande palavra) em cena.
O Eduardo
Cunha pode ganhar mais tempo antes de ser julgado, tempo para o corporativismo
aflorar, e os parlamentares se darem conta do que estão fazendo, punindo o
homem que, afinal, é o herói do impeachment. Foi dele que partiu o processo que
está chegando ao seu fim previsível agora. Pela lógica destes dias, depois da
cassação da Dilma, o passo seguinte óbvio seria condecorarem o Eduardo Cunha.
Manifestantes: às ruas para pedir justiça para Eduardo Cunha!
Contam que um
pai levou um filho para ver uma ópera. O garoto não estava entendendo nada, se
chateou e perguntou ao pai quando a ópera acabaria. E ouviu do pai uma lição
que lhe serviria por toda a vida:
— Só termina
quando a gorda cantar.
Nas óperas
sempre há uma cantora gorda que só canta uma ária. Enquanto ela não cantar, a
ópera não termina.
Não há nenhuma
cantora gorda no nosso futuro, leitor. Enquanto ela não chegar, evite olhar-se
no espelho e descobrir que, nesta ópera, o palhaço somos nós.
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