Ato político
Não cair no circo armado pela oposição e a grande mídia em torno do tal “mensalão” não significa partidarismo cego. Muito pelo contrário. Minha contrariedade a toda essa celeuma não se limita à defesa do partido nem sou tolo ao ponto de negar que houve algo muito errado nesse episódio alardeado como "mensalão".

Defendo, em
primeiro lugar, o arcabouço jurídico instituído no país. Isto é, se tal
julgamento não teve finalidade e conotação política, por que o chamado
"mensalão" do PSDB de Minas Gerais, esquema tão grave quanto esse
julgado e condenado pelo Supremo, recebeu da parte da mídia e do próprio
judiciário um tratamento muito mais brando em termos noticiosos e jurídicos?
Quem souber responda ou cale-se para sempre.
Por que o
Roberto Jefferson, denunciante do suposto "mensalão", teve seu
mandato de deputado caçado? Eu respondo: porque ele não conseguiu provar a
existência de um esquema para a compra de deputados e, em razão disso, perdeu o
mandato por quebra do decoro parlamentar.
Outra pergunta:
Quem são os deputados que supostamente recebiam mesada e por que eles também
não foram julgados e condenados pela justiça? E mais: por que um governo que
possuía imensa maioria no Congresso e enorme apoio popular iria deixar essa
bola picando para a grande mídia e a oposição?
Outras perguntas
que não querem calar: por que o Zé Dirceu fora julgado pelo STF mesmo depois
de ser absolvido em diversas instâncias do judiciário e de perder o mandato de
deputado e, consequentemente, o foro privilegiado? Mesmo no julgamento no
Supremo – e isso não sou eu quem digo –, não foi encontrado nenhum elemento
fático que ligasse o ex-ministro ao propalado esquema. Por isso, digo que minha
defesa vai além da mera questão partidária. Ao condenar um réu sem provas, o
STF abriu um precedente inédito e muito perigoso no marco jurídico do país, bem
aos moldes dos regimes de exceção, criando a possibilidade de que dependendo da
opção partidária do indivíduo, se venha a ser condenado ou absolvido pela
Justiça.
O que também não
concordo é com a tese do tal desvio de recursos públicos para pagamento de
mesada a parlamentares. Na vida real, isso se revelou uma grande mentira e não
existe nem uma prova, sequer indícios desse suposto esquema. Nem mesmo o
Judiciário, depois de anos de investigação conseguiu provar tacitamente a
existência do mensalão nos moldes em que ele foi alardeado. Eis aqui mais uma
imitação do método Nazista que repetia uma mentira muitas vezes até torná-la
verdade absoluta e inquestionável.
O que existiu
foi algo confessado pelos réus desde o momento que o esquema veio à tona. Ou
seja, uso de caixa dois para bancar campanhas dos partidos aliados ao governo
nas eleições municipais de 2004. Um crime gravíssimo e que precisa ser punido,
inclusive com a prisão dos responsáveis por tal prática.
A questão é que o caixa dois não pode ser combatido apenas com boas intenções e menos ainda com hipocrisia e falso moralismo. Para combater profunda e honestamente essa prática, somente uma ampla reforma política que os mesmos que bradam e apontam o dedo contra os "mensaleiros" impedem que aconteça. Aliás, no caso do Zé Dirceu, nem mesmo a participação nesse esquema de caixa dois ficou provada.
Apesar da gravidade desse esquema de financiamento eleitoral, penso que mais grave é utilizar esquemas semelhantes para enriquecimento pessoal ilícito. Mais grave ainda é entregar o patrimônio público a preço de banana e sem exigências quanto à garantia de preços justos e da qualidade dos serviços que passaram a ser explorados pela iniciativa privada, como ocorreu durante os governos dos tucanos no Brasil e seus aliados em muitos estados, especialmente no RS. Algo que além de usurpar e jogar pelo ralo o patrimônio que era de todos, serviu para alimentar esquemas multimilionários de corrupção, nunca denunciados pela mídia e menos ainda julgados pelo mesmo STF que acaba de colocar os argumentos políticos acima dos preceitos jurídicos.
O último julgamento de exceção e o fim de uma farsa, por Jeferson Miola

Na largada, a maioria do STF subtraiu dos réus uma garantia basilar do
estado democrático de direito: o duplo grau de jurisdição. Com esse detalhe
nada menor, essa maioria enjaulou o julgamento na sua arena inexpugnável: o
Supremo Tribunal Federal.
A teoria do “domínio do fato”, aplicada para julgar e punir os nazistas,
foi trasladada para o sistema jurídico brasileiro como mera roupagem para
embalar a condenação que na realidade estava premeditadamente decidida pelo
relator Joaquim Barbosa, não sem impressionante ódio e animus condenatório.
Claus Roxin, o jurista alemão que aperfeiçoou essa teoria nos anos 1960,
alertou para o erro do STF de aplicá-la sem amparo em provas [entrevista à FSP
de 11/11/2012]. A Ministra Rosa Weber soltou a seguinte afirmação no seu voto:
“Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura
jurídica me permite”. Além de estuprar a lógica probatória fundamental do
direito penal, o péssimo uso da tal “literatura jurídica” foi recriminado por
Claus Roxin.
Ives Gandra Martins, jurista de posições conservadoras, sempre situado
no front ideológico oposto ao PT, em entrevista para a insuspeita anti-petista
Folha de São Paulo no dia 22/09/2013, denunciou que José Dirceu foi condenado
sem provas, e que a adoção de tal teoria cria uma “insegurança jurídica
monumental” no ordenamento jurídico brasileiro.
Depois da condenação casuística, sobreveio uma série de atropelos e
violências jurídicas na definição das penas, dos regimes de prisão e no rechaço
de recursos interpostos pelos réus. Finalmente, no feriado de 15 de novembro,
em decisão monocrática [mais assemelhada a despótica], o Presidente do STF
determinou a prisão imediata de 12 dos 25 condenados. Para a épica dos justiceiros
do STF e da mídia totalitária que os incensa, não haveria data simbolicamente
mais potente que o feriado do dia da República.
Não por acaso, na primeira leva foram presos os três ex-dirigentes do
PT. Prisões marcadas por arbitrariedades, abusos e ilegalidades: sem o trânsito
em julgado, postos em regime superior ao sentenciado [fechado, ao invés de
semiaberto] e em estabelecimento prisional distinto do domicílio e do trabalho.
Com a aposentadoria de dois Ministros em 2012, foi desfeita a maioria
thermidoriana do STF que patrocinou as barbaridades no julgamento. A
consequência foi imediata, com a restauração dos princípios básicos do Estado
de Direito na recepção de alguns recursos infringentes. Mas o efeito mais
benéfico do desfazimento dessa maioria thermidoriana é a afirmação de uma
consciência jurídica democrática atenta à Constituição e às Leis do país, e não
submissa à intolerância e ao ódio da mídia e da direita contra o PT e os
setores populares.
É difícil acreditar que a decisão do STF na Ação Penal 470 possa criar
jurisprudência - é essencial e indispensável à democracia que assim não seja.
Essa decisão é uma aberração jurídica promovida por uma maioria ocasional do
STF; um acidente na vida institucional do país, somente comparável a períodos de
exceção ditatorial.
Os políticos do PSDB, que inventaram o sistema de arrecadação ilegal bem
antes e ainda não foram julgados pelas razões ideológicas conhecidas, não serão
fuzilados com os critérios jurídicos empregados contra os petistas, porque
aquela maioria ocasional foi desfeita. E esse fato também será essencial e
indispensável à democracia, porque significará a restauração do Estado de
Direito, do amplo direito de defesa e da condenação baseada em provas, não em
vontades, ilações ou ódios do julgador.
Essa realidade, que surgirá mais cedo que tarde, terá o valor simbólico
da absolvição política e moral das vítimas de tamanha violência jurídica. O
espetáculo armado para atingir o PT, Lula e o governo Dilma, terá efeitos
contrários em 2014. No próximo ano, quando o STF retomar o julgamento dos
embargos infringentes, dificilmente será mantida a infame e forjada acusação de
formação de quadrilha. Será derrubado, com isso, o principal alicerce da
acusação, e será outra prova contundente do viés político e ideológico desse
julgamento.
As extraordinárias mudanças observadas no Brasil nos governos Lula e
Dilma não foram acompanhadas de transformações na lógica secular e conservadora
de poder. O PT paga, assim, um alto preço pelo recuo programático em temas cruciais
para a democracia.
O PT deve retomar urgentemente iniciativas em defesa da [1]
democratização e pluralidade dos meios de comunicação, da [2] reforma do
Judiciário e da [3] reforma política. As mudanças do país promovidas pelo PT
exigem uma contrapartida institucional, para evitar o retrocesso conservador. A
luta por uma Assembleia Nacional Constituinte capaz de enfrentar as reformas
necessárias nestes três âmbitos é um vetor natural para o enfrentamento desse
desafio.
A direita, derrotada política e eleitoralmente, com partidos aos
frangalhos, sem programa e sem capacidade de oferecer uma visão de futuro para
o Brasil, organiza o combate ideológico ao PT a partir do STF e da mídia
monopólica. Eles são capazes de cometer loucuras para recuperar o poder. O PT
com Dilma, com Lula e com sua generosa militância, deve precaver o povo
brasileiro do terrorismo que eles promoverão, mas, principalmente, deve
aprofundar as mudanças estruturais que o país necessita.
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