Ato político
"Ato político" trás até vocês, mais uma vez, um pouco da lucidez do governador de todos os gaúchos e gaúchas...
Democracia e falência
da moralidade da direita
O episódio envolvendo a conversa do
Presidente Lula com o Ministro Gilmar Mendes só adquiriu notoriedade e
importância em função do debate político que atravessa marginalmente a
sociedade brasileira. Um debate que se faz através de códigos, de discursos não
explícitos, de alusões ligeiras a temas relevantes, que refletem visões sobre o
Estado e o modelo de desenvolvimento em curso e também sobre os efeitos da crise
mundial sobre este modelo. O encontro, na verdade, serviu para rememorar
posicionamentos anteriores sobre estes dois temas – Estado e modelo de
desenvolvimento – que vem marcando a última década. O resto é manipulação
política para, mais uma vez, a grande mídia tentar desgastar Lula, o Presidente
que iniciou uma grande virada democrática e social no Brasil, contra as ideias
da direita conservadora e do neoliberalismo, hegemônicos no período anterior.
A grande mídia tem composto a agenda política
do país em torno da questão da corrupção, como nunca ocorrera. É uma agenda
importante e permanente do país e muito se avançou, até agora, com as ações do
governo federal na Controladoria Geral da União, com a reorganização e a
autonomia investigativa da Polícia Federal e, até mesmo, com algumas denúncias
fundadas que saíram na grande imprensa, que ajudaram o Ministério Público nas
suas tarefas de fiscalização da legalidade. Mas a transformação da corrupção no
assunto político principal da República obedece a outros objetivos: transferir
à esquerda que governa todas as mazelas do país, para esconder o fracasso
político dos governos anteriores, que não só foram ineptos para governar, mas
também incompetentes para atacar a corrupção enraizada no Estado, promovida
diretamente por setores da iniciativa privada mancomunados com agentes
públicos.
A oposição conservadora de matiz neoliberal, que promoveu as
privatizações selvagens, que pretendia privatizar a Petrobras, vender ativos
públicos que hoje se configuram como “chaves” para enfrentar a crise – como a
Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil – a mesma oposição que
defendia e defende uma política externa de subserviência aos EUA (e não
relações de cooperação interdependente com soberania) -esta oposição – tinha
adquirido através da campanha midiática, formalmente contra a corrupção, a
condição de paradigma da moralidade.
O processo teve realmente efeito em vastos setores das classes médias, mas o povo de baixa renda, que ganhou com o emprego, com a renda, com o Pronaf, com o Prouni, com os aumentos reais do salário mínimo, com as centenas de obras públicas, com o bolsa-família, não se enganou. O moralismo udenista voltou-se contra a própria direita e a sua saída agora é recuperar o mensalão.
Esta falência “múltipla dos órgãos” oposicionista tem conseqüências negativas e positivas para a democracia. Negativas, porque ajuda a campanha contra os partidos e a esfera da política, contra os políticos em geral que, “na sua maioria, estão aí para roubar”, como disse recentemente um conhecido jornalista. A afirmativa permitiria qualquer um dizer que “todos os jornalistas estão aí para mentir e manipular informações”, o que em ambos os casos não é verdade.
A falência oposicionista, neste momento, também tem consequências
positivas, pois o debate sobre ética pública, que está em curso, pode abrir
espaços para uma discussão de fundo sobre a questão democrática: debate que
também pode incidir sobre a recuperação das funções públicas do Estado e sobre
o sistema político vigente. Se esquerda que apoia Lula e Dilma acordarem uma
agenda mínima, unitária, sobre a reforma política e, ao mesmo tempo, utilizarem
a CPI para fazerem um trabalho sério e profundo, este episódio da CPI
pode se tornar um grande evento republicano.
Um trabalho republicano exige que as
investigações e os debates na CPI não sejam pautados pela mídia, que eles
tenham foco, que não se preocupem com as colorações partidárias dos envolvidos,
porque o esquema Cachoeira não é um simples evento de criminalização de
políticos, mas é um vasto esquema de dominação de partidos pelo crime
organizado. É um esquema de interferência na agenda política da nação, para
falsificá-la e colocá-la a serviço da corrupção e do atraso neoliberal,
inclusive usando para isso – criminosamente, portanto – a liberdade de imprensa
e os órgãos de imprensa que se prestam para isso.
A melhor forma de ajudar a recuperação da
oposição direitista é transformar a CPI num repto moralista, aproveitando a
“onda” anti-Demóstenes (a direita quer se livrar dele), apenas invertendo a mão
do que vinha acontecendo contra Lula. Com isso deixando de lado a gravidade do
que ocorreu: não apenas atos isolados de corrupção, mas uma conspiração
criminosa que usava a luta contra a corrupção para promover uma corrupção ainda
maior, a destruição no atacado do espaço político democrático com falsificação
de informações, destruição de reputações, negócios ilegais com bens públicos,
articulação com o submundo do crime e aparelhamento do Estado para fins
ilícitos.
Entendo que a esquerda deve pensar que, em todos os partidos, há pessoas – em
maior ou menor número- que gostariam de fazer o Brasil avançar na luta contra a
corrupção. O udenismo reacionário é que divide o espaço político, entre a
oposição “pura” e os “governos corruptos”. Não podemos estabelecer, agora, em
função do caso Demóstenes, uma dialética inversa. Ou seja, os que estão no
governo são “puros” e progressistas e os que estão na oposição são “falsos
moralistas”.
É óbvio que o próprio olhar sobre a corrupção
é derivado do lugar social e político que se olha e, segundo esse lugar, a
corrupção será vista com mais, ou menos, leniência. Mas há uma questão
democrática preliminar, que pode alargar a influência da esquerda e ampliar a
base do governo na sociedade: a corrupção pode ajudar a destruir a democracia e
também reduzir, ainda mais, as funções públicas do Estado. Esta questão
democrática é que deveria ser considerada pela esquerda para dar um destino
exemplar à CPI: dar uma nobre função política à CPI, não transformá-la num mero
inquérito policial que, de resto, é o espaço real de construção da persecução
criminal. Apurar rigorosamente todos os fatos (que servirão para o Ministério
Público cumprir as suas funções) e mostrar que a malha grossa do sistema
político, erguido sobre o financiamento privado das campanhas, é o grande
alicerce da corrupção no Brasil.
Por Tarso Genro
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