Ato político
Tirando o parágrafo que aborda sobre a descriminalização do aborto,
assino embaixo e faço minhas as palavras de Jorge Furtado. Sou contra o aborto,
não por uma questão legal ou religiosa, mas por um ato de defesa da vida, em
todas as formas e em todas as etapas.
A descriminalização do aborto talvez fosse admissível em sociedades mais
avançadas no sentido de praticar a lei do amor que deveria nos unir, na qual
tal prática não fosse tão aceita ou difundida (com ou sem o amparo da lei). Nas
sociedades dos nossos tempos, no entanto, penso que esse amparo legal seria uma
porta escancarada para incentivar o aumento da banalização da vida e dos amores
descompromissados, um incentivo a irresponsabilidade perante os próprios atos, assim
como a falta de afeto pelos frutos gerados pelo corpo, capazes de nos conduzir
a andares mais altos da alma.
No mais, estou com Jorge Furtado e não recuo um só milímetro!
Jorge
Furtado: Voto contra tudo isso que está aí

Tenho familiares e bons amigos que vão votar na Marina e
também no Aécio. Eu vou votar na Dilma. Acho que foi o Todorov quem disse (mais
ou menos assim) que a democracia nos reúne para que a gente resolva qual é a
melhor maneira de nos separar. Não sou nem nunca fui filiado a qualquer
partido, já votei em vários, tenho amigos em alguns. Neste que é o maior
período democrático da nossa história (25 anos, sete eleições consecutivas), o
Brasil não parou de melhorar e não há nada que indique que vá parar de melhorar
agora.
Votei no Lula, desde sempre até ajudar a elegê-lo em 2002,
com o palpite de que um governo popular, o primeiro em 502 anos, talvez pudesse
enfrentar com mais vigor o grande problema brasileiro: a desigualdade social.
Achei que, talvez, substituindo a ideia de que o bolo deve primeiro crescer
para depois ser divido pela ideia de incentivar o crescimento do país com
melhor distribuição de farinha, ovos, manteiga, fogões, casas com luz elétrica,
empregos e vagas nas escolas e nas universidades, finalmente poderíamos começar
a nos livrar da nossa cruel e petrificada divisão entre a casa grande e a
senzala. Meu palpite estava certo. A desigualdade brasileira continua grande e
cruel mas está, finalmente, diminuindo.
Voto, ainda, primeiro contra a desigualdade social, ainda o
maior problema do país, um dos mais injustos do planeta, em poucos lugares há
uma diferença tão grande entre pobres e ricos. A elite brasileira (sim, ela
existe, esta aí), fundada e perpetuada no escravismo, luta para manter seus
privilégios a qualquer custo. Eles são donos dos bancos, das grandes
construtoras, fábricas e empresas, das tevês, rádios, jornais e portais da
internet e defendem ferozmente sua agradável posição. A única maneira de
enfrentar seu enorme poder é no voto.
Voto contra o poder crescente do capital sobre as políticas
públicas. Quem vive de rendas pensa sempre mais no centro da meta da inflação e
menos nos níveis de emprego, mais na taxa dos juros e menos no poder aquisitivo
dos salários. O poder do capital especulativo, rentista, é gigante, mora na
casa dos bilhões de dólares. Voto contra, muito contra, a autonomia do Banco
Central, que tira do governante, eleito pelo nosso voto, o poder de guiar o
desenvolvimento segundo critérios sociais, protegendo o país do ataque de
especuladores e garantindo renda e empregos, e entrega este poder ao tal
mercado, hereditário e eleito por si mesmo, sempre predador e zeloso em
garantir a sua parte antes de lamentar os danos sociais causados por seus
lucros. (Ver Espanha, Grécia, EUA, Finlândia, etc.)
Voto contra submeter os critérios de uso dos nossos recursos
naturais não renováveis, como o petróleo, ao interesse de grandes empresas
estrangeiras. O petróleo brasileiro e seu destino é o grande assunto não
mencionado nas campanhas eleitorais. Os ataques contra a Petrobras, que
acontecem invariavelmente às vésperas de cada eleição, atendem interesses das
grandes empresas petroleiras, especialmente as americanas, que querem a volta
do velho e bom sistema de concessões na exploração dos campos de petróleo,
sistema que, na opinião delas, deveria ser extensivo às reservas do pré-sal.
Aqui o interesse chega na casa do trilhão. Garantir que o uso da riqueza
proveniente da exploração de nossos recursos não-renováveis tenha critérios
sociais, definidos por governantes eleitos, me parece uma ideia excelente da
qual o país não deveria abrir mão.
Voto contra o poder crescente das religiões sobre a vida
civil. Respeito inteiramente a fé e a religião de cada um, gosto de muitos
aspectos de várias religiões, sei do importante trabalho social de várias
igrejas, mas não aceito o uso de argumentos ou critérios religiosos na
administração pública. Mesmo para os que professam alguma fé religiosa a
divisão entre os poderes da terra e do céu deveria ser clara. Diz a Bíblia, em
Eclesiástico, XV, 14: “Deus criou o homem e o entregou ao poder de sua própria
decisão”. (Esta é a versão grega, a versão latina fala em “de sua própria
inclinação” ou “ao seu próprio juízo”.) Erasmo faz uma boa síntese desta
ideia: “Deus criou o livre-arbítrio”. Ele, se nos criou a sua imagem e
semelhança e criou também as árvores, haveria de imaginar que, criadores como
ele, criaríamos o serrote, e com ele cadeiras, mesas e casas, e ainda, Deus
queira!, a ciência que nos permita usar com sabedoria os recursos naturais e
viver bem, com saúde. O poder crescente das igrejas, com suas tevês e bancadas
no congresso, deve ser contido por um estado laico.
Voto contra o preconceito contra os homossexuais. O estado
não tem nada a ver com o desejo dos indivíduos. Ninguém (seriamente) está
falando que o sacramento religioso do casamento, em qualquer igreja, deva ser
definido por políticas públicas, mas os direitos e deveres sociais devem ser
iguais para todos, ponto. Os preconceituosos e mistificadores, que vendem a
cura gay ou bradam sua lucrativa intolerância contra os homossexuais, devem ser
combatidos sem vacilação ou mensagens dúbias.
Voto contra a criminalização do aborto. A hipocrisia
brasileira concede às filhas da elite o direito ao aborto assistido por bons
médicos, em boas condições de higiene, e deixa para as filhas dos pobres os
métodos cruéis e o risco de vida, milhares de meninas pobres morrem de abortos
clandestinos todos os anos. A mulher deve ter direito ao seu corpo,
independente de vontades do estado ou de dogmas religiosos.
Voto contra o obscurantismo que impede avanços científicos.
Há quem se compadeça com os embriões que serão jogados no lixo das clínicas de
fertilização e ignore o sofrimento de milhares de seres humanos, portadores de
doenças graves como a distrofia muscular, a diabetes, a esclerose, o infarto, o
Alzheimer, o mal de Parkinson e muitas outras, cuja esperança de cura ou melhor
qualidade de vida está na pesquisa com as células tronco.
Voto contra palavras vazias. Nossa era da mídia transformou a oralidade num valor em si, esquecendo que há canalhas articulados e bem falantes e pessoas de bem e muito competentes que são de pouca conversa, ou até mesmo mudas. Tzvetan Todorov: “A democracia é constantemente ameaçada pela demagogia, o bem-falante pode obter a convicção (e o voto) da maioria, em detrimento de um conselheiro mais razoável, porém menos eloquente”. (1) Há quem diga de tudo e também o seu oposto, dependendo do público ouvinte a quem se pretende agradar, há quem decore frases feitas repetíveis em qualquer ocasião, há quem não fale coisa com coisa. Prefiro julgar os governantes e aspirantes a cargos públicos menos por suas palavras e mais por seus atos, seus compromissos e sua capacidade de trabalho em equipe, ninguém governa sozinho.
Voto contra os salvadores da pátria. Pelo menos em duas ocasiões o Brasil apostou em candidatos de si mesmos, filiados a partidos nanicos, sem base parlamentar, surfando numa repentina notoriedade inflada pela mídia e alimentada pelo discurso “contra a política”, prometendo varrer a corrupção e as “velhas raposas”. No primeiro caso, a aventura personalista de Jânio Quadros acabou num golpe militar e numa ditadura que durou 25 anos. No segundo, a aventura personalista de Fernando Collor, sem base parlamentar e passada a euforia inicial, terminou em impeachment, bem antes do fim de seu mandato. (atualizado em 01.09.14: A trajetória pessoal de Marina - muitos anos de boa luta democrática e defesa de grandes causas - é incomparável com a de Fernando Collor, um autêntico herdeiro da senzala, e Jânio Quadros, um doido. Espero que em nome de uma suposta nova política ela não jogue fora sua bela história de vida, toda construída na velha.)
Voto na Dilma e contra tudo isso que ainda está aí: a desigualdade social, o poder crescente do capital, a cobiça sobre nossos recursos naturais, o preconceito contra os homossexuais, a criminalização do aborto, o obscurantismo que impede avanços científicos, a criminalização da política, as palavras vazias, os salvadores da pátria. Com a direita autêntica fora do jogo podemos, sem grandes riscos de voltar ao passado, debater o melhor caminho para seguir avançando. Ponto para a democracia.
(1) Tzvetan Todorov, Os inimigos íntimos da democracia, tradução Joana Angelica DÁvila Melo, Companhia das Letras, 2012.
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