Ato político
Reforma
política não é golpe, por José Dirceu
Volto ao complexo e controverso tema da reforma política para, desta
vez, rebater as críticas feitas pelo ex-governador José Serra à proposta
defendida pelo PT, elaborada pelo relator do principal projeto sobre o assunto
na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS). A ofensiva foi feita em artigo do
tucano publicado recentemente no jornal Estadão.
Primeiro, é preciso dizer que tais críticas seriam bem-vindas se, na
contrapartida, trouxessem alternativas para os principais itens que defendemos,
como o financiamento público das campanhas eleitorais, o voto em lista flexível
e o fim das coligações proporcionais, dentre outros que visam valorizar o
embate programático em detrimento do poder econômico e de arranjos casuístas
nas eleições. Mas, objetivam apenas desqualificar nossas propostas,
classificando-as do início ao fim de “golpistas”.
O ex-governador estranhamente diz em seu texto que o PT pretendia
"enfiar a reforma goela abaixo do país", já que não houve debate a
respeito. Como não, se a reforma está em discussão no Congresso há mais de 15
anos e se o projeto apresentado pelo PT é fruto de amplas discussões com
diferentes setores da sociedade?
O presidenciável critica de forma contundente a ideia do financiamento
público exclusivo de campanha, sob o argumento falacioso, e também já bastante
ultrapassado, de que ela oneraria o cidadão. Como bem colocou o deputado
Fontana em resposta na Internet, Serra deveria esclarecer à população que hoje
ela já paga pelos recursos das campanhas bilionárias que o projeto do PT visa
baratear.
Os números evidenciam o crescente peso do poder econômico nas campanhas
eleitorais. Em 2002, os gastos declarados por partidos e candidatos nas
campanhas para deputado federal alcançaram R$ 189,6 milhões; em 2010, esse
valor chegou ao montante de R$ 908,2 milhões, um crescimento de 479% em oito
anos. Com maior intensidade, os gastos declarados nas campanhas presidenciais
passaram de R$ 94 milhões, em 2002, para R$ 590 milhões, em 2010, um
crescimento de 628% em oito anos.
Além disso, não há dúvidas de que o investimento feito pelos grandes
financiadores nas eleições é cobrado tanto na exigência de relações
privilegiadas, quanto no preço final de obras que são pagas com os recursos do
contribuinte. Esse, sim, é o grande golpe praticado pelo modelo vigente.
Embora José Serra diga que "uma reforma política de verdade
procuraria aperfeiçoar o mecanismo de representação, aproximando mais o eleito
do eleitor", nega-se a enxergar que, no sistema atual, apenas os
candidatos que contam com generoso apoio de empresas privadas têm chances
efetivas de vencer uma eleição, o que exclui do páreo eleitoral muitos líderes
populares, incapazes de competir com campanhas milionárias.
Por fim, depois de defender ao longo do texto a continuidade do
financiamento da democracia brasileira pelos grandes grupos econômicos, o
tucano apresenta sua única proposta de reforma política -- o voto distrital --
que, conforme podemos perceber pelos exemplos vindos de fora, transforma a
eleição em uma disputa entre dois nomes, diminuindo o papel dos partidos e das
propostas.
Como frisou Fontana, esse debate não é propriedade de nenhum partido e
os problemas do nosso modelo de financiamento aparecerão com força revigorada
nas eleições de 2014, se nada for mudado. Assim, ganharemos todos se, ao invés
de desqualificarem as propostas em discussão, os líderes políticos realmente
interessados em tornar o sistema político mais justo e democrático se unirem para
encontrar uma maneira mais adequada para financiar as campanhas eleitorais no
Brasil.
Outra saída, caso o Congresso não consiga entendimento para votar as
atuais propostas, é a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte
exclusiva para a realização da reforma política, ou ainda de um plebiscito
através do qual a população seja consultada sobre os pontos mais prementes
dessas mudanças. São propostas para não deixar a reforma política, mais uma
vez, sem desfecho, como desejam aqueles a quem só interessa manter tudo como
está.
(José Dirceu, 67, advogado, ex-ministro
da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT)
Artigo publicado no Blog do Noblat em
26/04/2013
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